No último final de semana fui com minha irmã para a Oka Katupé, sítio de minha prima Lígia. Há muito que queríamos compartilhar um tempo de plena ociosidade, ficar por conta de papo, cafés, cervejas, risos e vinhos. Para minha surpresa foi um tempo de aprendizagem, ainda que só num final de semana. Aprendi algumas coisas sobre a natureza, sobre os animais, sobre a vida. Algumas coisas não eram propriamente desconhecidas para mim, afinal eu já bebi leite na canequinha esmaltada diretamente do peito da vaca, mas isso foi há milhares de anos luz.
Aprendi que andorinhas são pequenas e pretinhas, já as rolinhas são maiores e marronzinhas. Há que se ter cuidado para não confundi-las com o João-de-Barro que é um tanto maior que as rolinhas. Fui apresentada à árvore que produz castanhas portuguesas. Imagina só: a gatinha Gaia bebe água do laguinho onde três peixinhos, Bocudo, Barriguda e Trinca vêm roçar na barbichinha da Gaia. Não acreditei quando vi os peixinhos atendendo pelo nome quando a Lígia chamava. Eles conhecem sua voz. Que coisa!
Minha prima, ao observar a gatinha dormindo profundamente em sua caminha banhada pelo sol da manhã, faz a seguinte reflexão: com que sonha um gato? Com sua mãe que nunca mais viu, talvez com seus possíveis irmãozinhos, com os bichinhos voadores que ela persegue. Vai saber. Gaia é livre, vai e vem conforme seu desejo. Passeia pelo telhado, entra pela janela da cozinha.
O frio da noite pedia e o fogo foi aceso. Me senti a própria Ayla, a filha das cavernas, ao fixar meu olhar nas labaredas, no pau que ardia soltando faíscas, assustando sempre com os estalos da madeira. O pensamento corria longe, eu perdida em meu olhar fixo naquela visão primitiva. O fogo é demais! Quando a gente perde o olhar, descansa a mente. Há quanto tempo eu não experimentava essa sensação gloriosa! Olhar perdido sem piscar, que coisa mais antiga e mais sábia. Éramos quatro primas ao redor do fogo. A esta altura de nossas vidas, carregamos histórias, dores compartilhadas, cada uma com sua própria trajetória. Lembrei-me de nossas infâncias, de quando ainda nada sabíamos do entardecer da vida. Diante do fogo que crepita e dança como quer, eu me encolho hipnotizada diante de mistérios insondáveis que morrerei sem saber. O fogo aceso no escuro faz a gente viajar no tempo, desde as cavernas dos Neandertais onde viviam mulheres como nós que cuidavam para que o fogo não se apagasse. Ele traz memórias perdidas, traz nossas mães e avós que já se foram há tantos anos.
Na última noite, acordei com passos pela casa, no cômodo ao lado. Medrosa, acordei minha irmã. Minha prima explicou que aves, morcegos pousam e brincam no telhado. Mas eu juro que eram passos. Bem diferente de minha noite na cidade. O problema é este, eu sou e não sou. Quando estou na cidade, quero morar no campo, porém, quando estou no campo, acho falta na cidade, na Manhattan da Varginha, no burburinho, no afã das pessoas que andam apressadamente. Minha natureza é inquieta, procura por barulhos, e minha alma é poeta, precisa de andorinhas, castanhas portuguesas, peixinhos e sonhos de gatinhos.
Ora gente, que bobagem, como dizia minha mãe, não há que se ter conflitos por coisas tão boas. Já bastam os conflitos que temos que enfrentar sem ter como escapar. É só morar na cidade e descansar no campo, grandes coisas! Pronto. Todo mundo precisa de pausas. Há um tempo para tudo nessa vida preciosa que Deus nos deu.
Por Misa Ferreira