Fazia dias, para dizer a verdade, semanas, que eu dizia pra mim mesma: Olha o estado da máquina de lavar, cria coragem, criatura, e limpa a máquina, não é tão penoso assim. Não, não é, eu sei que não é tão penoso assim, mas vou adiando. Às vezes acho mais fácil arrumar uma cozinha com milhares de coisas sujas por todo o lado do que lavar uma meia dúzia de gatos pingados do café da manhã. Bem, hoje fui à máquina. Tudo bem, estava até cantando enquanto limpava, quando vi a sujeira que estava atrás da máquina. Só limpar não dava, é claro. O negócio era jogar água. Acabei lavando a máquina o chão e as paredes.
Abandonei o computador e minhas ideias para crônicas por hoje. O momento de limpeza urgia, ainda mais depois que vi o esfregão Mop que implorava para ser lavado. Aliás, sou muito grata ao esfregão Mop, confesso que minha vida de escritora melhorou muito, minha vida de casada também, cem por cento depois que adquiri este inestimável companheiro para dividir as tarefas comigo, sem precisar mergulhar na água suja.
Olha, a coisa não ficou só na área não, já subi com tudo e lavei o outro banheiro. Perdido por um, perdido por mil. Quando desci, vi o pó em cima da mesa de vidro. Chega, de verdade, este pó vai ficar aí, até amanhã ou depois, quem sabe. Crônica hoje, não, hoje vou para a televisão, para um seriado ou um filme qualquer. Vou ler também. E principalmente vou rezar, tenho que aprender a repartir as horas e não deixar a oração por fazer.
Os homens têm uma visão bem diferente sobre a limpeza da casa. Meu marido limpa sim, pega no pesado, a parte de cima é dele. Só que depois eu tenho que fazer uns ajustes, um acabamento, sabe como é? Puro perfeccionismo meu. Ele faz a comida e eu limpo tudo. Mas às vezes minha cervical dói, então ele diz: vai deitar, eu vou dormir e depois arrumo tudinho. Limpa sim, em quinze minutos. Depois eu dou um jeitinho melhor, mas não foi uma nem duas vezes que vi folha de repolho grudada no prato já lavado e no escorredor. Não falo nada, não reclamo porque eu sou um amor!
Nunca tive vida de rainha ou de princesa. Aposto que a Lady Di nunca lavou nem enxugou uma xícara, nem espanou, nem varreu, nem nada. Já, eu, bem novinha, tinha as tarefas que minha mãe determinava. Minha irmã ficava com a arrumação da casa e eu da cozinha. Ai que preguiça, vindo do colégio, queria botar as pernas pro alto e ler. Mas eu arrumava direitinho. Já meus três irmãos, que bom que nenhum deles vai ler esta crônica, nada faziam. Minha mãe dizia que eram homens, e só as mulheres deveriam fazer este tipo de serviço. Nossa irmãzinha caçula ainda era bem pequena, era dispensada. Hoje em dia, coitadinha, também trabalha muito.
Por hoje é só gente, tá ruim, mas tá bom. Aquela crônica que eu queria escrever, aquela que tive uma grande inspiração, vou ter que deixar para a próxima semana. Minha vida é como eu conto no meu poema “Espetáculo da Vida”:
“De dia escrevo, lavo a louça, varro o chão.
À noite eu sonho
E nesta vida paralela eu componho
Os versos que ainda moram no meu coração.”
Misa Ferreira
Autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia, Na casa de minha avó e Ópera da Galinhinha: Mariquinha quer cantar. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.