É verdade que cada pessoa é diferente e assim sendo, reage a seu modo às adversidades, mas é sempre bom observar e refletir sobre o jeito de viver de outras pessoas. Num desses dias passados eu me emocionei com uma cena maravilhosa e cheia de ternura. Surpreendi uma senhora já idosa que ensinava um menino a ler. O que há de especial nisso? Tudo. Por si só, a cena já é suficientemente grandiosa, pois ver duas pessoas de idades tão diferentes como uma velha senhora e um meninozinho, envolvidos numa interação tão amorosa e gratificante, traz paz para o coração da gente e esperança para o mundo individualista de hoje em dia. Mas não é só isso. O fato é que a senhora ensinava aquele menino a ler justamente num momento difícil de sua vida – perdera seu próprio filho há menos de dois meses. Havia provado do cálice mais amargo.
Ela, que pensava já ter vivido de tudo e passado por tantos sofrimentos, ainda teve que sofrer a dor das dores – a de perder um filho. A morte, ainda que velha conhecida, é e sempre será uma estranha que nunca conhecemos ao certo e que cruelmente nos separa de quem amamos, fere nossa alma, rouba-nos a alegria e a frágil ilusão de que podemos proteger nossos queridos. A morte de um filho é absurda e absolutamente insana. Verdade óbvia, mas que só consegue compreender quem já passou por isso. Por mais que digam que “nossos filhos não são nossos filhos […] que vêm através de nós, mas não de nós” como Gibran já nos alertava sem convencer, nossas emoções nos asseguram o contrário: nossos filhos serão eternamente nossos filhos. E se eles se forem antes de nós, ficaremos sem nada, pois é como se nos arrancassem o próprio coração sem dó nem piedade.
Felizmente, na harmonia contraditória da vida, fazemos das tripas o coração porque este já não o temos mais, e seguimos em frente. Afinal, haverá outra coisa a fazer? Quem poderá impedir que amanheça ou que caia a noite? Há coisas que nunca compreenderemos e que sempre estarão fora de nosso controle. Assim, numa necessidade imperiosa de sobrevivência, vamos procurando instintivamente aqui e ali motivos para continuar a caminhada. Às vezes podemos alimentar um passarinho que insiste em chegar até a janela da nossa cozinha e que vai bicando a casquinha de pão como se fosse uma tarefa da qual depende a salvação da humanidade, ou podemos talvez, quem sabe, fazer como aquela senhora que perdeu o filho – ensinar uma criança a ler.
E eu ouvia a senhora com voz sofrida, mas serena, que ia calmamente ensinando e perguntando do jeito que as mães costumam fazer: ” a me – niiii – na é… é….” e a aí a voz fraquinha do garoto continuava, lendo algo que eu não podia identificar. Depois, “quantos dias tem a semana? Quantos? Isso, muito bem! Agora fala pra mim os dias da semana, vamos, segunda, qual vem agora?” E tive a impressão de que sua voz ficava mais serena ainda, agora mais forte, como se sua alma estivesse sendo curada, cicatrizada e fortalecida, o que fez ecoar em mim outras palavras de Gibran: “Do sofrimento emergem as almas mais fortes. As personalidades mais marcantes estão repletas de cicatrizes”.