Por Prof. Paulo R. Labegalini/Mensagens para o Coração
As lições de vida que temos presenciado como vicentinos poderiam ser contadas aqui por várias semanas, mas, respeitando a privacidade de muitas pessoas conhecidas na cidade, vou relatar uma história real narrada por um confrade de Belo Horizonte:
“Certa vez fui visitar um homem indicado para uma sindicância. Seu barraco, com uma minúscula porta e entulhado de velharia, mal deixava a luz do sol entrar em meio à fumaça de um fogão de lenha. Bati palmas e gritei: ‘Ô de casa, sou confrade!’ Ouvi uma voz fraca seguida de tossidos: ‘Entre, entre!’
Aquela visão e o cheiro de fumaça provocou-me lágrimas de comoção. Ali sentado no chão, perto do fogão em que cozinhava dois pedaços de costela quase sem carne, ele apenas disse: ‘É meu almoço, partirei para nós’. Agradeci e começamos a conversar. Contou-me ter 92 anos, vivia com Deus e mais um cachorro que, deitado do lado da cama, quase não enxergava mais. Outra vez chorei.
Precisava fazer algo urgente para amenizar a situação daquele velho homem. Ainda conversamos um pouco mais em meio aos tossidos, depois fui embora e prometi voltar com a solução de um lugar melhor.
Voltei após dois dias para comunicar-lhe um novo lar no asilo. Ali o tempo parecia não ter passado, pois a cena era a mesma, exceto pelo fato dele ter no colo o cão que estava muito doente. Disse a ele: ‘Voltei para ajudar-lhe na sua mudança’. Com dificuldade, ele se pôs de pé. Era um homem alto e muito magro que, chegando à porta, perguntou: ‘Como vamos levar todas as coisas? Não vejo nenhuma carroça!’
Eu lhe disse que não precisava levar nada e percebi o cachorro lambendo-lhe as mãos. O velho abaixou-se, apertou o cão no peito e disse com voz embargada: ‘Não, eu não posso abandonar este que foi meu melhor amigo nos últimos anos e jamais me abandonou. Enquanto eu viver, ele ficará comigo’.
Mais uma vez fiquei comovido porque passei a pensar em quanto sentimento cabia dentro de um homem tão humilde! Dias depois ele morreu, mas, antes, disse-me meio sorrindo: ‘Enterre o meu cachorro à sombra da mangueira, por favor’. Na mesma tarde de seu falecimento, o velho cão também deu seu último suspiro.”
Se este relato fosse apenas uma ficção, seria o suficiente para muita gente refletir na necessidade de fazermos mais caridade, mas o fato realmente aconteceu. E muitos velhos abandonados continuam esperando calados serem socorridos da miséria – que os coloca abaixo da mínima dignidade imaginável de sobrevivência.
Quem não é vicentino e não visita as situações de pobreza pode pensar que estou exagerando, porém, embora estejamos numa cidade e região privilegiadas do Brasil, muita coisa triste acontece bem perto de nossas casas. Eu concordo que nem o prefeito, nem o governador e nem o presidente podem resolver todos os problemas de uma hora para outra, portanto, temos o dever cristão de ajudar os pobres – mas ajudar como Jesus pediu!
Se cada um de nós entendesse que ‘ajudar o irmão necessitado’ não significa só ‘dar esmolas’, tudo se resolveria rapidamente. Jesus pediu que praticássemos a partilha e não apenas déssemos as migalhas que estão sobrando. Quem é capaz de tirar do bolso uma nota de dez e outra de um real e doar a maior a um mendigo? Eu confesso que também não tenho agido assim, mas já fiz isso e me senti muito bem em fazê-lo.
Há uma história a respeito de um diálogo entre notas, assim:
– Olá, por onde tens andado? – perguntou a nota de um real à de cinquenta.
– Eu estou em todas as contas bancárias deste país, em bolsos de calças caras, em caixas de lojas bacanas etc. E você, prima pobre, onde se esconde?
– Eu e minhas moedinhas não temos moradia fixa. Ora estamos no cesto de coleta da igreja, ora estamos sendo deixadas nas mãos de famintos nas ruas, enfim, somos usadas como esmolas.
E então, isso não é verdade? Quando será, meu Deus, que os homens aprenderão que dar esmolas não resolve a vida de ninguém? Por que as pessoas de posses não procuram os vicentinos e lhes perguntam o que as suas famílias assistidas precisam para sair da miséria? Eu tenho as respostas e, peço, veja se você também não se ‘encaixa’ numa dessas opções:
– Não sou rico e ajudo o quanto posso.
– Pago os meus impostos e não vejo o governo promover a justiça.
– Não tenho tempo para ajudar a construir o Reino de Deus.
– Preciso formar o meu patrimônio e deixar alguma coisa para os meus filhos.
Perdoe-me colocá-lo(a) nessa condição de ‘exame de consciência’, mas se não pararmos e pensarmos seriamente em mudar a situação da pobreza, o que será do mundo? Se dar esmolas fosse suficiente para ganhar o céu, somente os ricos seriam santos, já que nada sobra aos pobres para doar!
Então, lembre-se que a verdadeira partilha não é darmos o que sobra, mas dividirmos o que temos. Reze também para que isso venha a acontecer conosco um dia.