Eu falo com eles sobre morte, e morte não é um assunto fácil para ninguém.
No entanto, e cada vez mais, vejo os meus jovens futuros médicos se superando, superando os paradigmas nos quais foi cunhado este medo da morte, e eles são capazes de produzir em aula textos como este:
“O filme ‘Antes de Partir’ traz mais do que apenas uma mensagem aos seus espectadores; ele nos questiona sobre porque a maioria de nós resolve viver somente quando nota a chegada da morte…
Por que precisamos de uma ‘sentença’ de morte, de uma ‘data de vencimento’ para começarmos a viver? Nenhum de nós sabe exatamente o dia em que vai morrer. Nem pacientes com doenças graves tem esse conhecimento e isto parece que nos faz acreditar que a morte está tão distante de nós, que não precisamos sequer pensar nela.
Não é preciso pensar muito para perceber que essa negação da morte vem desde a infância. Quando crianças ouvimos regras do tipo: ‘O que você vai ser quando crescer?’, ou ‘Só quando estiver com determinada idade é que você poderá usar maquiagem, se barbear ou qualquer outra ação típica de adultos’. É fácil ver crianças tentando imitar os adultos, pois para elas, começarão a viver apenas quando se tornarem adultas.
Na adolescência, vivemos a pressão familiar de um pré-adulto. Temos que escolher uma profissão que, além de parecer que lhe fará feliz, lhe proporcione reconhecimento, dinheiro e sucesso no futuro!
Mais uma vez a palavra futuro.
E ela irá nos perseguir na faculdade, no trabalho, na vida pessoal, na família, em todos os setores das nossas vidas. E é por causa dela que muitas vezes deixamos de lado nosso presente, nos privando dele em função do futuro.
Na velhice, quando finalmente chega “o futuro”, quando enfim parece que seremos livres para viver a vida que quisemos, somos “traídos” pela doença…
Carter Chambers (Morgan Freeman), no filme, sintetiza bem essa situação. A maioria de nós abdica dos nossos sonhos, principalmente em função da felicidade dos nossos filhos e isso, quando a morte se aproxima, se evidencia como um logro.
No caso do personagem de Freeman, ele abdicou do sonho de cursar História para sustentar a esposa e os filhos.
Em situações de morte, os valores se invertem. O que estava em primeiro plano (trabalho, dinheiro, sucesso) passa a ser insignificante e as vontades acumuladas durante toda a vida se exacerbam.
E é nesse ponto que pensamos: “Será que eu, que você, que qualquer um de nós, gostaria de saber o dia exato em que vai morrer? Uma pesquisa realizada nos EUA e divulgada no filme, diz que somente 4% dos entrevistados gostaria de saber o dia exato da sua morte; numa “varredura” rápida na sala de aula, 33,3% dos alunos gostaria de saber o dia da morte.
Nessa mesma aula, a professora nos lembrou um velho ditado oriental que diz que deveríamos acordar todos os dias e perguntar a um passarinho imaginário, pousado no nosso ombro: ‘Em que dia vou morrer?’ E ele responderia, todos os dias: ‘Hoje!’. Depois disso você sai para o seu dia, e duvido que ele vá ser banal…
Pense nisso.”
Não dá orgulho?