Vinte anos após a implantação da primeira Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) em Minas, o responsável pela disseminação do modelo, o desembargador do Tribunal de Justiça Joaquim Alves de Andrade, chegou a uma conclusão: é preciso inverter a lógica do sistema prisional, com a ampliação do método para 98% da população carcerária. Hoje, a proporção é de pouco mais de 2% (870) dos 40 mil presos no estado sob o regime Apac. “Tenho mais de 30 anos na área criminal e é sempre igual: a gente condena, a polícia prende e o sujeito sai de lá pior do que entrou. Não dá para continuar assim.”
O governo do estado não fala em universalizar o sistema, mas anuncia liberação de R$ 8,5 milhões para construção de 11 Apacs neste ano e mais R$ 10 milhões para outras 11 no ano que vem, o que vai significar um aumento de 100% no atual número de 22 unidades. “A metodologia se tornou oficial como política do estado, mas é complementar, não é para qualquer comunidade, só para as de pequeno e médio portes, que podem cuidar do seu preso”, acredita o secretário de Defesa Social, Maurício Campos Júnior.
O secretário admite que pelo menos 15 mil presos mineiros não têm nenhuma ocupação e passam dias e noites dormindo ou fazendo o que mais a falta de atividade e as superlotadas celas estimulam. É exatamente o número de pessoas que ainda estão em cadeias públicas. Os responsáveis diretos pelos detentos no país já entenderam que só prender não é o caminho e vêm estimulando opções mínimas de trabalho e estudo nos presídios. O Ministério da Justiça, por sua vez, faz campanha para que juízes apliquem penas alternativas.
O método Apac tenta se fixar como alternativa a esse modelo reconhecidamente ineficaz. A palavra repetida e fixada entre todos nas Apacs é recuperação. O método surgiu em 1972, fora do sistema oficial, a partir de inquietações do advogado Mário Ottoboni, de São José dos Campos (SP). Minas é o estado com o maior número entre as cerca de 100 unidades espalhadas pelo país. É de Ottoboni a frase “o homem é maior do que o seu erro”, incluída no material publicitário do TJMG sobre o sistema. Nele, o juiz local define se a pessoa pode ser encaminhada para a unidade e um grupo de voluntários assume a coordenação das atividades. A limpeza e a alimentação passam a ser responsabilidade dos recuperandos. O sistema acaba reduzindo muito o custo do preso, de R$ 1.400 mensais na prisão convencional para R$ 400 – 250% a menos.
Outro argumento usado pelo desembargador em defesa da propagação do modelo é a média de reincidência, segundo ele abaixo de 10%. No início, as Apacs sobreviviam apenas de recursos recolhidos na própria comunidade e, desde 2006, um convênio assinado entre o TJ e o governo estadual garante verba para construção e parte da manutenção. É exigência registrar uma associação sem perder de vista o objetivo: humanizar a prisão com atividades, trabalho, envolvimento da família e orientação espiritual. Na Apac, o visitante em um primeiro contato estranha a falta de agentes penitenciários, a ausência de algemas, os dormitórios, onde, em geral, ficam apenas quatro pessoas, e as várias salas com aulas de temas leves, como literatura, informática e noções de higiene.
EM CORO Em uma tarde de quinta-feira, por volta das 16h, vozes graves que buscavam afinação eram ouvidas em um dos corredores da ala de regime fechado na Apac de Nova Lima, na Grande Belo Horizonte. Por trás da porta azul, 11 homens sentados com pastas na mão repetiam conhecidos versos: “Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo”. Na seqüência, por sugestão de um dos alunos, a professora voluntária Neusa Barbosa coordenou a entonação de É preciso saber viver. O grupo de coralistas ensaiava para apresentação na festa da padroeira da cidade.
Pouco à frente, cinco detentos manusevam chaves de fenda, serrotes e outros objetos metálicos, usados para esculpir madeira e confeccionar peças artesanais. Ao todo, na unidade com capacidade para 86 internos, estão 73. Todos trabalham, muitos na padaria, que fornece cerca de 5 mil pães para a prefeitura local e para empreiteiras. Em julho, a unidade foi reconhecida como a melhor do país pela comissão parlamentar de inquérito (CPI) Carcerária da Câmara dos Deputados.
Fonte: PM / estaminas.com.br