Certa época, o Padre Maristelo encaminhou aos agentes da Comunidade Nossa Senhora do Sagrado Coracão uma mensagem de final de ano com trechos muito bonitos, assim:
“Chegou o Natal. O que dizer? A linguagem é impotente para expressar a realidade, nos diz a filosofia da linguagem. Para tocarmos a realidade, sobretudo as mais profundas da vida, só podemos por meio de metáforas, tocando-as com as pontas dos dedos e não as abarcando com a mão, como se acaricia o rosto de quem se ama. Metáforas como Moisés tirando as sandálias diante da sarça ardente.
Com o que poderemos comparar o Natal?
O Natal é como a alegria de um filho que recebe um telefonema de seu pai depois de anos sem contato nenhum. É isso e muito mais. É o pai que nos doa o filho para que sejamos filhos no Filho, dando-nos a alegria e a liberdade de viver.
O Natal é como a alegria de uma família que acolhe uma gravidez indesejada, mudando a vida, os corações e a reações das pessoas. É isso e muito mais. É a chegada do desejado, do esperado desde toda a eternidade, da criança que nos desinstala.
O Natal é como a Maria do presépio de Sartre: ‘A Virgem está pálida e olha para o menino. O que seria preciso pintar em seu rosto é uma admiração ansiosa que só apareceu uma vez num rosto humano. Pois Cristo é o seu filho, a carne da sua carne, e o fruto do seu ventre… E em certos momentos a tentação é tão forte que ela esquece que o menino é Deus. Aperta-o em seus braços e diz: meu pequeno! Mas, em outros momentos, fica desconcertada e pensa: Este Deus é meu filho. Esta carne divina é a minha carne. É feita de mim, tem os meus olhos’. É isso e muito mais. É a Amada encontrando o seu Amado.
O Natal é também como o José do mesmo presépio de Sartre: ‘E José? José, eu não o pintaria. Mostraria apenas uma sombra no fundo do celeiro e dois olhos brilhantes. Pois não sei o que dizer de José, e José não sabe o que dizer de si mesmo. Adora e está feliz por adorar e se sente um pouco em exílio. Creio que sofra sem confessar. Sofre porque vê o quanto a mulher que ama se parece com Deus, o quanto está perto de Deus. Pois Deus estourou como uma bomba na intimidade dessa família. José e Maria estão separados para sempre por esse incêndio de luz. E toda a vida de José, imagino, será para aprender a aceitar’. É isso e muito mais. É José acordando do seu sonho para sonhar o sonho de Deus.
O Natal é como o Menino Jesus de Fernando Pessoa: ‘Depois Ele adormece e eu o levo no colo para dentro da minha casa, deito-o na minha cama, despindo-o lentamente, como seguindo um ritual todo humano e todo materno até Ele estar nu. Ele dorme dentro da minha alma. Às vezes Ele acorda de noite, brinca com meus sonhos. Vira uns de pena pro ar, põe uns por cima dos outros, e bate palmas, sozinho, sorrindo para os meus sonhos. Quando eu morrer, Filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno, pega-me Tu ao colo, leva-me para dentro da Tua casa. Deita-me na tua cama. Despe o meu ser, cansado e humano. Conta-me histórias caso eu acorde para eu tornar a adormecer, e dá-me sonhos Teus para eu brincar’. É isso e muito mais. É o Menino nos chamando para a manjedoura, nos dizendo que há lugar para nós na gruta do seu coração.
O Natal é como a Canção Amiga de Drummond: ‘Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças’. É isso e muito mais. É uma canção que acorda a criança adormecida dentro das pessoas e adormece os adultos.
O Natal é como a pergunta de Machado de Assis: ‘Mudaria o Natal ou mudei eu?’ É isso e muito mais. Muda cada natal, mudamos todos a cada natal. Mudaríamos no natal?
O Natal é tudo isso e muito, muito mais do que isso. O Natal é Natal. O Natal é.
Feliz Natal! E muito mais…”
Quanta poesia e imaginação de primeira qualidade do nosso querido sacerdote, não? São coisas de Deus! Porém, o mundo não vive somente o Natal, mas também muito mais.
Há muito tempo, Pilatos resolveu lavar as mãos e condenar Jesus ao invés de Barrabás. Os políticos lavam as mãos para não condenar os parlamentares por corrupção. Muitos governos resolveram não tomar providências para evitar o aquecimento global e, agora, não há retorno para o superaquecimento do planeta. Países ricos investem em armamentos de guerra e deixam centenas de milhares de pessoas morrendo de fome.
Em nome do modernismo, famílias inteiras ficam diante da TV vendo imoralidades, tipo Big Brother, enquanto igrejas padecem por falta de voluntários que desejam se salvar. Bebidas são consumidas com exageros em todos os lugares, tirando a paz de muitos corações que dependem da recuperação de pessoas viciadas.
Até quando deixaremos nossa sociedade ser violentada pelo mal? Até quando lavaremos as mãos e ficaremos sem rezar o suficiente para que as coisas mudem? O relativismo do pecado corrompe os bons costumes e o chamado de Cristo para que sejamos ‘sal da terra’ e ‘luz do mundo’ fica em segundo plano. Será sempre assim?
Levante suas mãos para o Céu e peça ajuda! Ainda é tempo de fazer bem feito a sua parte! Lembre-se que estamos iniciando um feliz novo ano.