Maria do Céu era a própria santinha aqui na terra. Maior pureza e simplicidade, impossível de achar em alguém. Era quase uma criança. Ninguém, mas ninguém mesmo podia falar isso que fosse dela durante sua vida inteirinha. Desde menina, viveu para fazer o bem. Simplicíssima, não tinha boca para nada, como se costuma dizer. Sua maior alegria era fazer os trabalhos de casa, varrer, cozinhar, passar, sempre cantando músicas religiosas, é claro. A hora melhor do dia era de tardezinha quando iam rezar o terço.
Cada vez que morria alguém mais velho da família, Maria do Céu ficava conjeturando como devia ser a festa lá no céu quando essa pessoa chegava. Aí não se cansava de imaginar, vendo o avô, a avó, o pai, de quem pouco se lembrava, enfim, todos eles recebendo o mais novo membro da família celeste. Imaginava Nossa Senhora em pessoa trazendo um assado para o almoço festivo e tudo o que queria era varrer o chão do céu, tudo bem limpinho. Morria de inveja de quem morria e achando que essa inveja era pecado, tratava de contar ao padre na próxima confissão.
Já mais velha e sempre na mesma pureza de menina, aconteceu de Maria do Céu ouvir o padre na igreja falar em “passaporte para o céu”. Sem compreender que o padre falava de virtudes, ficou preocupadíssima porque procurando entre seus papéis e os da mãe falecida, não encontrou nada que se parecesse com um passaporte. Teve medo de perguntar para os parentes se tinham tal documento e se fosse só ela que não? Maria do Céu foi ficando triste até que contou para uma prima mais chegada o motivo de sua preocupação. Mesmo mais tranquila com a explicação da prima, ainda procurava pelo documento que fosse o passaporte para o céu, não custava nada garantir a entrada no reino celeste.
Perguntava sempre para a prima, “vamos ver todo mundo lá, não é?” A prima já sabia do que se tratava, mas perguntava, “onde?” “No céu”. A prima explicava, “vamos Maria, mas não é bem assim do jeito que você pensa, todos vão estar, mas é um corpo glorioso, não é bem o corpo como aqui na Terra, é o espírito”. Maria não se conformava, “mas como é que vou reconhecer a mamãe se não tem corpo?” A prima, paciente, tentava tranquilizar, “Maria, não se preocupe, você vai saber que é ela, não precisa do corpo”. Isso era demais científico e misterioso para Maria. “Mas no corpo glorioso eu não vou poder ver aquela voltinha do cabelo dela, aqueeela voltinha, quase um topete que deixava ver a testa? Eu acho que eu prefiro o corpo daqui, do jeito que é, é que a gente já está acostumado”. Aí a prima desistia, “vai sim, Maria, vai sim. Tudo o que você quiser, Deus não vai nunca negar e Nossa Senhora vai preparar um lugar de honra pra você na mesa do banquete”. E isso a prima dizia, querendo ela mesma ver a própria a mãe do jeitinho que era aqui na terra. Seria tão bom!