Por Misa Ferreira
Nós, mulheres, somos seres especiais. Somos bonitas, de beleza que não é só de traços físicos, mas de entranhas, de alma, de espírito, de virtudes, de fortaleza, de grandeza. Somos desdobráveis, como diz Adélia Prado. Parimos sem dor ou com ela (bem, eu nunca), mas a maioria absoluta já. Nossa alma é sutil, e não há quem entenda nossas sutilezas se não for mulher. Rimos sozinhas ou acompanhadas e podemos chorar prantos sem fim até dormir. Somos de paz, não fazemos guerra, contudo se for necessário, defendemos os nossos filhos com unhas e dentes, matando vinte leões por dia.
Já nos enganamos. Era coisa de tempo antigo, a tal da cultura da época. Houve um tempo em que a mulher de valor tinha que aprender a bordar, saber cozinhar e sair nas fotos em pé, ao lado do marido sentado. Esperávamos o príncipe que nos salvaria e dançaria conosco aquela valsa magnífica, eterna. Ledo engano, doce ilusão, santa ingenuidade. A vida é dura, mas é bela. Até que enfim chegou um espelho honesto que nos mostrou que éramos especiais, aí as escamas dos olhos caíram, as lágrimas de emoção também saíram porque compreendemos o valor e a alegria de ser mulher, afinal, ser mulher é ser desdobrável! Minha mãe era canhota de nascimento, sabia fazer coisas gostosas de comer, fazia camisas de homem com colarinho e tudo, teve seis filhos. Queria ser amada, porém acima de tudo queria ter estudado leis. Era desdobrável ao máximo!
Dizem os homens que somos complicadas. Não é verdade. Eles não entendem as sutilezas da alma feminina. Feliz o homem que capta esta nuance e feliz a mulher que puder caminhar ao seu lado. Feliz o homem que respeita e perdoa a angústia que amanhece nos olhos da mulher e que dura até de noite. Elas sabem e sentem coisas milenares, inomináveis, que brotam da noite pro dia, é um desejo de alguma coisa, uma fome, uma sede de algo inexplicável. Carregam dores inconsoláveis em silêncio, ou simplesmente têm saudades da mãe que morreu ou que está longe. No entanto, mesmo tristes, varrem a casa, cantam baixinho, dão aula de física, cozinham em restaurantes, escrevem, ninam bebês no colo, e quase sempre, vivem encantadas e emocionadas com histórias de amor. E vão se desdobrando em muitas até que o riso volte, o olhar se acalme, o sorriso perdure, e no calor da cama soltam as amarras da sensualidade, deixam o jeito de menina para as manhãs singelas e para as noites ardentes, transformam-se em mulheres amantes em tórridos jogos de amor.
Certa vez, conversando com uma amiga sobre temas de crônicas, contei que fiz uma crônica sobre os 100 anos da Primeira Guerra Mundial. Falando sobre os fatos da guerra, ela ficou pensativa e disse: guerra é coisa de homens. Se às mulheres estivesse destinado naquela época conduzir o mundo, essas guerras provavelmente não teriam acontecido. E ocorreu que assistindo a uma entrevista com o jornalista e ambientalista Yann Arthus-Bertrand, ele comentou que tem a esperança de que no futuro o mundo seja conduzido pelas mulheres. Assim como também, Bunker Roy, um indiano rico que abandonou sua vida de facilidades e fundou a Universidade de Pés Descalços contando com o trabalho de pessoas pobres, principalmente de mulheres que, incluídas e valorizadas, revelaram-se verdadeiras engenheiras solares competentes, sem nunca terem frequentado uma universidade tradicional.
Sim, nós mulheres, somos seres especiais. Somos desdobráveis, como disse Adélia Prado em suas maravilhosas poesias.