Sou pequenina das pernas grossas
Vestido curto papai não gosta
Preconceito é imoral
Vestido curto não faz mal
É verdade. Papai não gostava de ver filha de vestido curto. Só que aí apareceu a Mary Quant, lá pelos idos da década de 60, que tesourou o vestido da famosa Twiggy e a história do vestido curto e da saia curta mudou para sempre. A minissaia ou mini-saia (prefiro) ganhou seu espaço no mundo da moda, deixando pasmos e incrédulos os mais conservadores. Ela não significou apenas encurtar mais a saia, foi um símbolo da juventude rebelde daquela época, foi uma mudança de padrões, ou seja, a mini-saia ocupou um senhor lugar na história, tal como os Beatles ou mesmo “A Revolução Francesa”. Dali em diante, “pernas, pra que te quero”? Todas as mulheres usavam minissaia, pernas finas, pernas grossas, pernas feias ou bonitas. Depois disso as saias sofreram adaptações, um pouquinho mais compridas aqui, um pouquinho mais curtas ali, foram, voltaram, mas nunca mais saíram do guarda-roupa feminino. Estava decretada a revolução sem sangue derramado – as mulheres eram donas de suas pernas e de suas saias, de preferência curtas. E elas ganharam a batalha, mas não a guerra.
Quase cinquenta anos depois, uma triste cena de guerra, e felizmente ainda sem sangue derramado, acontece em uma escola. Certa moça escolhe um vestido vermelho, curto, e vai para a universidade. Era o estilo dela, mesmo que não fosse, e daí? Naquele dia, algo estranho aconteceu – os colegas se enfureceram com o vestido da moça ou com a moça, vá saber! E até agora ninguém entende o porquê da fúria, do ódio e da omissão de quem estava ali para controlar uma desordem qualquer. Foi um caso de histeria coletiva, desses em que as pessoas deixam sair de seus mais ocultos e aterrorizantes subterrâneos aqueles instintos bem primitivos e bestiais em que vale tudo como vociferar, insultar, berrar, atirar pedras e até matar. Todos gritavam alto, muito alto, e se amontoavam, se acotovelavam para ver passar uma moça de vestido curto! Ninguém queria perder a cena. Todos disputavam um lugar para melhor insultar. Gritavam impropérios, batiam palmas e assobiavam forte como se estivessem em um estádio de futebol onde dois times brigavam pela final da final da classificação. Sim, era como uma arena, daquelas em que as pessoas, contagiadas pelo delírio da turba furiosa, batiam palmas e berravam enquanto assistiam aos mártires serem estraçalhados e comidos vivos pelos leões famintos. A moça, sozinha, cruelmente indefesa, caminhava pela universidade que de repente se transformara numa terra sem lei e aqueles que não participavam do massacre, assistiam passivamente ao triste espetáculo.
Como se não bastasse todo o infortúnio, a moça foi expulsa da escola, que depois revogou a decisão. Não conheço a moça, não sei de sua história, não conheço a turba furiosa que deflagrou a rebelião, mas conheço a tênue linha que separa o mal do bem que vivem dentro do homem. Toda a gente deveria se olhar no espelho em momento de ira. Dizia Guimarães Rosa que “Se, por exemplo, em estado de ódio, o senhor enfrenta objetivamente a sua imagem, o ódio reflui e recrudesce, em tremendas multiplicações: e o senhor vê, então, que, de fato, só se odeia é a si mesmo”. Ainda, “Sim, são para se ter medo, os espelhos”. Eu diria: sim, são para se ter medo, os homens.