Nos tempos de escola, nunca senti verdadeiramente o risco de ser reprovado. Quando, de vez em quando, vinha uma nota baixa, eu sabia que uma “estudadazinha” a mais já seria suficiente, e todo o resto convergiria para que eu não fosse reprovado.
Já na faculdade foi diferente: tirei um zero logo na primeira prova. E, pior, não via perspectiva alguma de melhora.
Não fui só eu. Da turma de 25 alunos, somente dois não tiraram nota baixa.
A insatisfação foi geral. Achamos um absurdo uma prova com tal grau de dificuldade. Reunimo-nos cheios de razão para falar com o professor e exigir que a prova fosse anulada, pois ele não havia nos preparado devidamente. Eu tinha certeza de que teríamos êxito, tamanha era a mobilização que havíamos organizado. E como, também, um professor iria sustentar uma reprovação geral?
Para minha surpresa, porém, o professor foi irredutível. Não cedeu, nem demonstrou o menor sinal de comoção. Ressaltou, inclusive, que as provas seguintes seriam mais difíceis. E ainda marcou propositalmente, como fez questão de deixar claro, a segunda prova para o dia de início do carnaval fora de época da cidade, o que implicava, para mim, a condenação automática à prova de segunda chamada.
Fiquei revoltado! Julguei o professor como alguém insensível e autoritário. Até então, toda mobilização coletiva a que eu houvera presenciado tinha surtido algum efeito. Mas dessa vez não teve jeito. Não havia mais com quem nem onde reclamar. Ainda sem entender aquele desfecho desfavorável, fui seguindo, entre ressentido e revoltado, a única saída que então se apresentava: estudar.
Não foi fácil. Mal-acostumado com uma sistemática onde tudo conspirava a favor do aluno, apesar de até então ser considerado um bom estudante, descobri que eu não sabia estudar.
Se o conteúdo por si só já era bem complicado, as reações internas contra o professor, frutos de uma inércia enraizada, dificultavam ainda mais o meu trabalho. Mas, à medida em que fui avançando no estudo, noite após noite, de madrugada em madrugada, as reações foram se dissipando, e o conteúdo — sabe-se lá como! — foi sendo assimilado.
Deve ter sido a primeira vez que senti a libertadora sensação de colher o resultado do esforço individual. Mais instrutivo do que qualquer trote de faculdade, aquela verdadeira provação fez com que eu me tornasse um aluno melhor, descobrindo uma capacidade de aprender que eu ignorava.
Hoje compreendo também que a experiência teria sido menos dolorosa e mais bem aproveitada, se — ao invés de ter resistido à dificuldade e buscado amparo na média, a qual eu e os alunos representávamos — eu houvesse me inspirado no professor, o outlier que tinha afinal o conhecimento, porque já havia feito o esforço que eu não queria realizar. A luta, pois, era interna, contra os velhos hábitos da preguiça mental, e não contra quem estava ali para ensinar, para além da matéria obrigatória, a sermos mais capazes.
Essa vivência que tive vem ao encontro do que González Pecotche apresenta neste ensinamento, permitindo que eu pudesse entender o que se passou comigo:
“A igualdade deve constituir o supremo anelo da alma humana, a suprema aspiração; mas, para que isso tenha toda a força necessária, a fim de encarnar um grande ideal, deve-se entender que esta igualdade terá de ser obtida quase que exclusivamente por esforço próprio e representar o objetivo essencial, qual seja se igualar àquele que é mais no sentido amplo da palavra.“ Coletânea da Revista de Logosofia T II – página 112
Um pensamento de Felipe Nunes