No dia 09 de janeiro de 2024, o Centro Europeu de Previsão de Tempo de Médio Prazo (ECMWF) publicou um artigo com os destaques do clima global no ano de 2023 [1]. O artigo tem o título “2023 é o ano mais quente nos registros, com temperatura global próxima ao limite de 1,5oC”. A atenção é dada para o que os meteorologistas chamam de anomalia, que, no caso, é a média da temperatura do ar global no ano de 2023 menos a média da temperatura do ar calculada no período entre 1850-1900 (Figura 1).
Embora a Figura 1 tenha início em 1967, a comparação da temperatura do ar média global no ano de 2023 com os demais anos foi a maior já registrada desde o início da série histórica em 1850.
As médias mensais da temperatura do ar global em 2023 de junho a dezembro foram as mais quentes comparadas às dos mesmos meses dos anos anteriores. Em escala local, Itajubá mostrou padrão similar (Figura 2).
No ano de 2023, o aumento anômalo da temperatura do ar esteve associado à combinação do aquecimento global devido à emissão de gases de efeito estufa de origem antropogênica e ao fenômeno El Niño (aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico equatorial nos setores central e leste) que está bem configurado desde o inverno (mês de julho) de 2023.
O aquecimento global se manifesta no sistema climático de diferentes formas, como: impactando a extensão do gelo marítimo – no ano de 2023 o gelo marítimo da Antártica atingiu a menor extensão nos últimos 8 anos; em eventos extremos de tempo e clima registrados em todo o globo incluindo ondas de calor, inundações, secas e incêndios. A emissão de carbono por queimadas em 2023 foi 30% maior do que no ano de 2022 e isso teve grande contribuição dos incêndios ocorridos no Canadá. No Brasil se destacam as ondas de calor entre os meses de setembro a dezembro de 2023. Segundo, as medidas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), o munícipio mineiro de Araçuaí, a 593 km de Belo Horizonte, registrou no dia 19 de novembro de 2023 a maior temperatura já observada no país, 44,8oC.
Os eventos extremos continuam ocorrendo em 2024. Voltando a atenção para o Brasil, a Amazônia vem sofrendo desde o final do inverno de 2023 com uma grande seca, que está atrelada à combinação de diferentes mecanismos e entre eles o impacto do El Niño e das águas mais quentes do oceano Atlântico Tropical Norte [2]. Entre os dias 13 e 14 de janeiro, chuvas fortes atingiram o Estado do Rio de Janeiro levando pelo menos ao óbito 13 pessoas [3]. A combinação das altas temperaturas com a influência de uma frente fria foi a responsável por esse episódio. Os estados do sul do país vêm sendo assolados por fortes chuvas desde a primavera de 2023. O último episódio ocorrido na noite do dia 16 de janeiro afetou severamente pelo menos 25 municípios [4] devido a granizo e ventos fortes. Como destaca uma matéria no G1 [5], em vários locais os ventos atingiram intensidade superior a 70 km/h. Na base aérea do município de Canoas, foi registrada intensidade do vento de 107 km/h (~30 m/s). Enquanto isso, o frio está sendo extremo no Canadá, por exemplo. Em Alberta, no dia 13 de janeiro, a estação de Keg Creek registrou -50,1oC, sendo o primeiro registro abaixo de -50oC no mês de janeiro desde 2004 [6].
O ano de 2024 ainda terá a influência do fenômeno El Niño até o início do inverno conforme indicam as previsões climáticas de diversos centros de meteorologia. Para o Brasil, isso se reflete em alteração nos padrões da chuva e da temperatura do ar. Condições mais secas são esperadas na Amazônia e parte do centro-norte do nordeste do Brasil e chuvas acima da média climatológica no sul do país. Em geral, as temperaturas tendem a ficar acima da média. A região mais difícil em termos de previsão é a sudeste, uma vez que fica na fronteira entre o regime mais úmido do sul do país, com o mais seco, a norte. Previsões climáticas apresentadas na reunião mensal de avaliação e previsão de impactos de eventos extremos em atividades estratégicas do Brasil realizada pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) no dia 17 de janeiro de 2024 [7] apontam para condições de precipitação mais próximas da climatologia no sul de Minas Gerais entre os meses de janeiro e fevereiro de 2024. Quase todo o Brasil poderá ter ocorrência de temperaturas acima da média climatológica.
O parágrafo anterior fala da previsão climática sazonal, mas em termos de próximas décadas, o que é projetado para o sul do Estado de Minas Gerais? Estudos utilizando modelos numéricos de circulação geral e regional da atmosfera têm indicado aumento das temperaturas e da chuva, incluindo a frequência de eventos extremos de precipitação diária [8]. Em cenários menos pessimistas, a temperatura pode exceder em 2oC os valores hoje registrados e em mais pessimistas, pode exceder a mais de 8oC [9].
As mudanças climáticas já estão sendo sentidas pela população e quais as suas consequências para a sociedade? A resposta é “muitas consequências danosas” [10]. Podemos elencar os problemas causados por tipo de evento de tempo e de clima nos diferentes segmentos da sociedade ou apresentar os setores da sociedade impactados de acordo com o tipo de evento. Aqui, será utilizada essa segunda forma:
infraestrutura: ventos fortes causam danos em construções, quedas de árvores etc. O granizo pode destruir telhados, carros e outras coberturas. As chuvas volumosas levam à ocorrência de inundações, que também podem ser danosas a diferentes infraestruturas. Aqui entra o problema com os deslizamentos de terra associados às chuvas fortes.
regiões de costa: ventos fortes sobre o oceano podem levar ao acúmulo de água às regiões costeiras, inundado-as. Além disso, o derretimento do gelo polar e o aumento do volume da água devido ao aumento da temperatura podem causar o aumento do nível do mar e, consequentemente, o desaparecimento de muitas ilhas e áreas continentais litorâneas.
saúde: inundações favorecem a proliferação de doenças como a leptospirose. Aumento do número de regiões aptas aos vetores da dengue e malária. Ondas de frio podem causar óbito de moradores de rua por causa de hipotermia. Crianças e idosos ficam mais vulneráveis às doenças respiratórias. Ondas de calor causam doenças cardiovasculares (dilatação dos vasos sanguíneos, queda de pressão e aumento de frequência cardíaca) afetando principalmente idosos. A migração de povoados e comunidades pode causar estresse e problemas de saúde mental.
agricultura: com as mudanças climáticas, o ciclo hidrológico é afetado mudando as condições aptas a determinadas culturas. Com o aumento da temperatura do ar, mudanças ocorrem no número de horas frio necessário para o desenvolvimento de várias espécies. Assim, áreas hoje propícias ao cultivo podem não ser mais nas próximas décadas. Além disso, o aumento das temperaturas pode propiciar o aparecimento de pragas que antes não existiam na região. Considerando um aquecimento de cerca de 6oC e aumento da precipitação em 15%, a área apta ao cultivo do café irá ser reduzida para cerca de 3% da área atual.
abastecimento de água: escassez de água potável em vários locais pode levar ao deslocamento de comunidades inteiras e também há problemas na geração de energia hidroelétrica
biodiversidade: muitas espécies necessitam se adaptar e/ou migrar para outras áreas mais propícias a sua existência. Isso também acontece com os seres humanos, pois a escassez de água potável e de alimentos em certas regiões pode levar a sua migração. Partes da região amazônica podem se tornar cerrado. Cobras na mata Atlântica podem decrescer em número. O mosquito vetor da malária pode aparecer na região da mata Atlântica devido ao aumento das temperaturas.
O que podemos fazer? De forma individual: diminuir o consumo para evitar o lixo, reciclar, economizar energia elétrica e água, criar composteiras nas residências, cultivar alimentos em zona urbana, reduzir o consumo de carne (pense que os animais necessitam de alimentos, assim, áreas são devastadas para cultivar alimentos para eles) etc. De forma coletiva: pressionar os governantes para fiscalização dos diversos setores econômicos que causam emissões de gases de efeito estufa. Esses devem alterar sua tecnologia para opções que não emitam poluentes. Solicitar a fiscalização de empresas mineradoras e produtoras de madeira a fim de reduzir a devastação de áreas naturais. Solicitar estratégias para a limpeza das áreas agrícolas para não ter a utilização de queimadas. Solicitar transporte público de qualidade para reduzir a frota de veículos privados nas ruas bem como a construção de ciclofaixas e de áreas para caminhada. Solicitar infraestrutura urbana adequada para a melhor qualidade de vida da população, como a construção de áreas verdes recreativas. Solicitar o incentivo para a plantação de árvores apropriadas aos passeios urbanos e a criação de hortas urbanas. Subsídios para a instalação de placas geradoras de energia limpa nas residências etc. Além disso, os governantes devem propiciar o acesso à informação sobre temas ambientais à população.
Links
[3]
[6] https://metsul.com/2024-01-13-canada-frio-alberta-quebec/
[7] https://www.youtube.com/watch?v=zpSvt6wE4uE
[8] https://www.mdpi.com/2073-4433/13/9/1463
[9]
[10] https://link.springer.com/article/10.1007/s00382-021-05918-2
Recomendação de Leitura
https://www.livrosabertos.abcd.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/1219
Autor: Michelle Simões Reboita
Colaboradora: Tatiana Rocha Amaro