Jurandir Tubarão conferiu seu relógio para se certificar da hora – pontualmente sete horas da manhã. Tubarão não era seu nome, mas um apelido recebido dos amigos durante o tempo em que viveu no mar. Fora pescador a vida toda, porém com a idade, teve que pendurar as barbatanas, isto é, as chuteiras, como se costuma dizer. Ele esperava pelos amigos Benedito Honório, jardineiro, Salomão Jacobson, relojoeiro e Maria Ernestina, médica, todos aposentados. Planejavam discutir o destino do bairro Estranha Idade.
Jurandir Tubarão estava nervoso porque tinha certeza de que estava com aquela doença tão temida: Alzheimer. Sabia que só podia ser isso. Imagine só, acordara pela manhã procurando pelo equipamento de pesca e dando ordens para seus imediatos, e tinha certeza, mas certeza mesmo, de que estava no barco! Sua mulher Margarida começou a chorar e a implorar para que ele olhasse pela janela e foi aí que ele viu aquela terra árida, teimosa, que insistia em não deixar brotar nada, apesar dos esforços do Benedito Honório. Arrasado, porém tentando disfarçar o desapontamento, pediu à mulher que nada dissesse a ninguém. Isso fazia, não por vaidade por ser o líder do grupo dos idosos apartados da sociedade, mas sim porque não suportava a idéia de ver toda aquela gente indefesa sem alguém que a liderasse. O tempo que passou no mar lhe dera coragem e espírito de iniciativa. Confiavam nele, não podia faltar com essa gente, sua gente.
Há tempo que a sociedade os havia confinado naquele lado da cidade.
Que estranho planeta é esse e que estranhos seres são esses que nele habitam… querem isolar seus velhos quase numa caverna, pensava com tristeza, lembrando-se de Platão, do planeta Terra. Como se não bastasse o isolamento, ouviram de fonte limpíssima que o Alto Comando do Planeta Indiferente planejava levá-los na calada da noite das sete luas para o Planeta do Silêncio que ficava praticamente incomunicável. A coisa era tão séria que haveriam de bater em cada casa procurando por quem tivesse mais de sessenta anos.
Os quatro amigos se encontraram, conversaram, ponderaram e decidiram que era melhor tentar uma fuga do que simplesmente aceitar uma decisão tão impiedosa por parte de quem nunca fora velho. Seu Salomão lembrou os judeus do Planeta Terra que foram despejados em trens de carga para depois serem mortos pelos nazistas nos Campos de Concentração e Maria Ernestina também lembrou as origens dos povos que contava a história dos guardas do rei que vasculharam as casas procurando por bebês do sexo masculino para serem sacrificados.
Benedito Honório fez um alerta: o Alto Comando também estava preocupado com outros problemas do Planeta Indiferente como esse agora de não brotar nada da terra – Mas que diacho que é isso? Quem esses homens pensam que são para não pedirem opinião pra gente que já viveu bastante e sabe das coisas mais do que eles? Será que acham que nunca ficarão velhos? Jurandir coçou várias vezes a barba hirsuta, gesto que costumava fazer quando estava pensando sério. Ouvira dizer que no Planeta Terra a população estava sendo educada para cuidar das pessoas idosas e dementes, que até havia jovens gentis que ajudavam os mais velhos a entrar nos ônibus e a atravessar as avenidas. E também que já existiam Associações e Ligas que tratavam de melhorar a vida de pessoas idosas e portadoras de demências.
Os amigos conversaram pela manhã toda e depois voltaram para casa. Na manhã seguinte a manchete principal dos jornais foi o sumiço misterioso da população idosa do Planeta Indiferente. Uns diziam que tinham sido mandados para o Planeta do Silêncio, se bem que o capitão da nave que fazia aquela viagem jurava de pés juntos que não. Outros arriscavam que alienígenas haviam descido naquela noite no bairro da Estranha Idade. A verdade é que nunca ninguém soube de nada, mas uma coisa foi fato – a barcaça de Jurandir nunca mais foi vista pelos mares do Planeta Indiferente.