Não é de hoje que o homem anseia por descobrir o segredo da vida. Com efeito, o geneticista americano Craig Venter anunciou a criação da primeira bactéria a viver com o código genético montado em laboratório.
Daí a criar uma vida artificial ainda tem chão, mas o feito de Venter é importante na medida em que, pela primeira vez, foi criado quimicamente um genoma inteiro, ainda que esse genoma não seja original, mas recriado de um já existente. Desde sempre, o homem criado quer ser criador em busca da derrota da morte e a história mostra sua persistente luta pela imortalidade. Muitos degraus já foram galgados nessa empreitada, porém, de forma mais contundente, desde a ovelha Dolly, os cientistas se debruçam cada vez mais sobre DNAs e mais DNAs, ansiosos pelo próximo passo e parece que chegam cada vez mais perto de desvendar o grande mistério da criação.
É da natureza do homem ser criativo e movido pelo desejo, características que já não percebemos nos animais. Podemos observar, admirados, a finíssima teia de aranha artisticamente urdida, a colméia de abelhas com todos seus desenhos geométricos, o ninho de pássaros pacientemente construído, mas já sabemos que tudo isso acontece desde que o mundo é mundo, pois nunca foi constatado que uma abelha ou uma aranha tenha ousado arquitetar seu habitat de forma diferente. Com o homem a coisa é outra. Sempre persistente e curioso, ele não para de buscar novos desafios, engendrando novas fórmulas e projetos, tentando melhorar sua qualidade de vida.
Passado o tempo da idade das trevas em que a ousadia humana era vista como pecado e por essa razão duramente reprimida, o homem se esbaldou permitindo-se experimentar misteriosas misturas em seus modernos e profanos laboratórios. Livre para criar, ele pôs em prática toda a enxurrada de idéias que desde sempre fervilham em sua mente e povoam seus sonhos. Afinal, somente a ele foi concedida a graça de se desenvolver, de se aprimorar e de superar seus limites. Em todas as áreas o homem cresce, avança, contorna obstáculos e se delicia com as novidades que sempre estiveram ali, à espera de quem as descobrisse.
E a arte imita a vida. O homem, sequioso por descobrir o que existia além do Jardim do Eden e criar, ele mesmo seu próprio mundo, inspirou escritores que dispuseram as criaturas contra os criadores, como Frankenstein que se rebelou contra seu criador e os robôs da era moderna contra os cientistas que os criaram. Haverá sempre um preço de ser criador e de ser criado. É bom refletir: estarão todos aptos e dispostos a arcar com ele?
Não resta dúvida de que a biologia molecular e a engenharia genética foram enriquecidas pela descoberta de Craig Venter. Novas vacinas poderão ser usadas para impedir epidemias como as que já assolaram o planeta. Combatidas as doenças, pode-se prolongar a vida e adiar a temida morte. Resta saber se diante de tanta longevidade, quando o homem não tiver mais com o que sonhar e vencer, não sentirá o desejo de morrer, pois não será justamente a incerteza e a misteriosa transitoriedade da vida que a fazem ser tão preciosa e bela? E outra: como fará o Estado para resolver o problema das aposentadorias eternas?