Seu Galhardo estacionou à porta da Igreja de Santo Antônio e logo foi abordado por um menino:
– Hei, moço, posso vigiar o seu carro?
Ao mesmo tempo que respondia ‘sim’ com a cabeça, o discreto senhor foi vestindo o paletó, sem notar que a sua carteira de dinheiro caia no chão. Durante a coleta da missa, ele a procurou, pensou tê-la esquecido dentro do veículo e, somente após a celebração, constatou que a havia perdido. Tentou, então, avistar o garoto que ficou cuidando do carro, mas também não o encontrou.
No dia seguinte, começou a perguntar pela vizinhança se alguém sabia onde o menino pobre morava e, de ‘talvez’ em ‘talvez’, chegou a uma casinha simples ali perto. Bateu palmas e logo veio o ‘guardador de carros da igreja’ com um bonito rádio nas mãos.
– Olá, filho. Lembra-se de mim?
– O senhor é o dono do opala, não é?
– Sim, sou eu. Ontem, o procurei para lhe dar um trocado e você já havia ido embora. Por acaso, não achou uma carteira preta caída no chão?
– Não, senhor.
– Tem certeza? Tinha muito dinheiro nela e estou precisando encontrá-la para comprar remédios para o meu filho. Ele não anda, sabe, e está rezando neste momento na intenção que eu ache a carteira.
– Eu não vi a sua carteira, não senhor.
– Este rádio é novo, não? Quando o comprou?
– Eu ganhei do meu tio. Ele é muito rico.
– E por que não ficou me esperando ontem para pegar o dinheiro que lhe prometi?
– A missa demorou muito e eu estava com frio.
– Está bem, pegue aqui o seu troco.
Saindo dali, o bom senhor foi à única loja de eletrodomésticos do bairro e soube que um rádio caro havia sido vendido naquele mesmo dia a um garoto descalço. Antes de voltar ao lar, seu Galhardo entrou na igreja e rezou pela conversão do menino que ficou com o seu dinheiro.
Mais alguns dias se passaram e, no domingo, novamente os dois se encontraram na frente da igreja.
– Posso olhar o seu carro?
– Quanto você vai me cobrar por isso?
– Quanto o senhor quiser me dar!
– Eu gostaria que você conhecesse o meu filho da sua idade. Quer ir comigo à minha casa depois da missa? Prometo lhe dar um lanche gostoso, se estiver com fome.
Assim, o garoto Marcelo conheceu o menino que não andava e passou a frequentar o lugar. Brincavam, estudavam e rezavam juntos quase todos os dias, até ocorrer um fato inesperado:
– Seu Galhardo, eu quero agradecer tudo o que o senhor fez por mim porque amanhã vou partir para o seminário.
– Seminário? De qual seminário você está falando?
– Fica longe daqui. O padre da Igreja de Santo Antônio foi lá em casa e conversou com a minha mãe já faz tempo. Eu passei a sentir vontade de ir desde que comecei a assistir missa com o senhor aos domingos.
– Que notícia boa, Marcelo. O meu filho já sabe?
– Sim, foi o primeiro a saber. Nós choramos muito na despedida.
– Tá certo, então. Vou rezar por você e reze por nós também, combinado? Ah, vamos ficar esperando uma cartinha sua nos dando o endereço do lugar que vai estar. Que Deus o abençoe, meu filho.
E mais uma vez aquele bom homem ajudou o menino humilde, comprando algumas roupas para completar o enxoval da viagem. Trocaram muitas correspondências, se viram mais algumas vezes e, dezessete anos depois, na mesma Igreja de Santo Antônio, lá estava o seu Galhardo assistindo a ordenação do padre Marcelo. Antes da cerimônia, conversaram:
– Meu querido amigo, tudo o que fez por mim, Deus há de lhe retribuir, mas há uma dívida em dinheiro que preciso lhe pagar. Sei que o senhor sabe que achei aquela carteira e comprei aquele rádio, porém, também graças ao programa da Ave-Maria que ouvia nele às seis da tarde, aceitei o chamado ao sacerdócio. Não tive como lhe pagar antes, mas fiz umas economias para lhe devolver o dinheiro hoje.
– Ora, Marcelo, a sua dedicação ao meu filho e as orações que fez por nós, mais que pagaram qualquer dívida que possa estar lhe incomodando. Deus já lhe perdoou por aquele pecadinho de criança, e eu também. A sua verdadeira missão começa agora e não quero mais ouvir você falar nisso.
Abraçaram-se emocionados e os corações de ambos bateram mais forte do que o coração de qualquer outra pessoa presente.
Após a missa, ao sair da igreja, seu Galhardo ouviu de um garoto:
– Hei, moço, dá um trocado para eu comprar pilha pra este radinho que eu ganhei do padre?
– Como é o seu nome, meu filho?
– Zezinho.
– Eu tive um filho que também se chamava Zezinho, mas ele já morreu.
– Morreu de que?
– Não vamos falar disso agora. Se me prometer que vai ouvir a ‘Oração da Ave-Maria’ todos os dias e assistir missas aos domingos, nunca vou deixar faltar pilhas no seu rádio.
– Eu prometo!
– Então, entre no carro. Vamos comprar as pilhas na padaria e, depois, se você estiver com fome…
Paulo R. Labegalini
Cursilhista e Ovisista. Vicentino em Itajubá. Engenheiro civil e professor doutor do Instituto Federal Sul de Minas (Pouso Alegre – MG).