Mais de um filósofo, teatrólogo ou escritor falou, desde muito tempo, sobre os humanos serem criaturas paradoxais e isso em muitos sentidos.
O acidente com o avião da Air France, sobre a vastidão do Atlântico, de múltiplas e diferentes maneiras parece trazer essa condição à superfície do cotidiano.
Por que as pessoas ficam chocadas com um acontecimento dessa natureza, uma tragédia, para remeter a um conceito extremamente caro aos gregos antigos?
E por que o mesmo sentimento não é partilhado, ao menos da mesma maneira, num conjunto de ocorrências que aniquilam vidas diariamente em todo o mundo?
Por que guerras devastadoras, especialmente na África – esse continente esquecido pelos deuses, e onde os humanos nasceram – não sensibiliza como o mergulho de um jato nas águas azuis do Atlântico?
Por que pessoas, ainda que criminosas, são deliberadamente eliminadas em casos de pena de morte, em países onde esse princípio é adotado, ao mesmo tempo em que se luta desesperadamente para se resgatar ao menos um possível naufrago das águas oceânicas?
Há uma infinidade de tragédias no mundo, algumas delas apenas anunciadas e sem se consumar como o acidente que envolveu a Apollo 13, em abril de 1970.
A nave retornou à Terra numa corrente de invocação no mundo inteiro.
Houve silêncio em estações de rádio de todo mundo para evitar interferências na comunicação com esses náufragos do oceano cósmico que tentavam voltar para a casa.
Certamente há um amplo conjunto de considerações de ordem lógica para justificar diferentes sentimentos frente à tragédia porque, a vida de um assassino, por exemplo, também está permeada pela tragédia. Ainda que nossos sentidos estejam focados para interpretá-los como aqueles que devem morrer.
Talvez, cada um de nós leve em conta que um assassino, ou qualquer transgressor de outra ordem, deva ter condições de refrear seus ímpetos e, nesse sentido, evitar que seus atos de barbaridade possam consumar-se.
Seria, talvez pensemos secretamente, uma maneira de evitar que a tragédia, o completo horror de existir, se consuma de alguma maneira.
Para conhecer completamente a razão pela qual a tragédia encantou os gregos antigos, rigorosamente teríamos que ser um deles e essa é uma completa impossibilidade.
Assim, supomos que sabemos, com a ajuda de homens cultos e de tudo que os gregos nos legaram, pela escrita e outras representações, o que fez com que esse povo antigo “cismasse”, (para utilizar uma expressão de Guimarães Rosa) com a tragédia.
Possivelmente, a questão que intrigou os gregos possa ser uma pergunta até certo ponto simples: “que critério têm deuses para fazer com que a tragédia desabe sobre a cabeça de alguns e poupe tantos outros?”
E a resposta para essa questão é simples: não sabemos.
Autoridades de diferentes ordens, de chefes de Estado a entidades de controle de tráfego aéreo, não poupam esforços para localizar na superfície montanhosa do fundo do mar (cicatrizes do nascimento e crescimento do Oceano Atlântico ainda hoje) um objeto abóbora curiosamente conhecido como “caixa preta”.
A justificativa para essa busca tão determinada é a expectativa de que a caixa preta permita explicar o acidente e evitar que ele volte a ocorrer.
Mas, talvez, a essência disso esteja no esforço de mergulhar na essência da tragédia e, neste sentido, tentar desarmar seu mecanismo.
Não exatamente a tragédia do mergulho de um jato no mar. Mas a tragédia que implica no horror de existir, quando pessoas queridas, indispensáveis, que nos fazem respirar, que são a energia para o coração pulsar, desaparecem sem qualquer explicação.
Fonte: Scientific American