“…deve se chegar ao conhecimento do que é na realidade a sensibilidade, (…)”
O que eu quero contar é tão delicado quanto cada hora de minha vida. Algo comum e ao mesmo tempo tão importante como fazer feira e encantar-me escolhendo peras, sentir sua casca macia, enxergar seu amarelo discreto, perceber seu aroma perfumado e captar o quanto está suculenta. Uma fruta que, em sua simplicidade, me fez “pensar” no que estou “sentindo” e recordar do poder da sensibilidade na minha vida. Não vou falar aqui do amor, do tempo ou da saudade!
A chuva cessou e saio de casa. Passo por uma praça tomada por moradores de rua vivendo em condições sub-humanas. Uma criança me olha. Aqueles olhos castanhos arregalados me olham profundamente. Ela só me olha. Perguntei-me: por que existem moradores de rua? Há quem diga que não são moradores de rua — são cidadãos de rua, vítimas de um capitalismo desumano. ONGs discursam pelos desvalidos, que são tema social de congressos e ilustração de sermões religiosos. Aquela cena daqueles seres drogados e em condições sub-humanas, objeto de narrativas sociológicas, políticas e econômicas, provocaram algo de rechaço em mim. Perguntei surpresa: cadê minha sensibilidade?
“Em todos os momentos da vida, o ser humano está rodeado de causas e efeitos circunstanciais, de uma parte, e de causas e efeitos permanentes, de outra, devo saber em que mundo estou: da realidade ou da ficção.”
Tenho compreendido que, quando a sensibilidade se deixa tomar por emoções, impressões, abalos, geralmente as manifestações são circunstanciais e as iniciativas enganosas. Já a verdadeira sensibilidade, que se equilibra amparada nos conhecimentos, gera uma compreensão ampla e generosa da realidade. É quando a consciência nos apresenta o bem útil.
Lendo uma pesquisa sobre as diferentes causas do morador de rua viver nessa condição, algumas respostas movimentaram minha sensibilidade, ampliando meu sentir e pensar: um jovem, em torno dos 19 anos, cego dos dois olhos, explicou que ainda criança seu pai bêbado cegou-o com pedradas e, abandonado na rua, foi criado em um albergue, mas aos 18 anos foi obrigado a sair e morar na rua; nessa linha de respostas, ouvi algumas outras que me fizeram pensar sobre situações que revelam o quanto é difícil para parte dessas pessoas resgatarem alguma dignidade. A sensibilidade combinada ao conhecimento fez brotar em mim o sentimento de compaixão.
Certa vez, em uma conversa afetuosa com um estudante de Logosofia, refletimos que a compaixão é um sentimento piedoso para com a tragédia pessoal de outrem, acompanhado do desejo de diminuí-la e de ser capaz de mover minha inteligência, identificando atuações para o bem desse semelhante. Essa conversa promoveu movimentos em meu mundo interno e despertou em mim um enorme amor à humanidade. Senti que minha vida é parte e extensão da vida do meu semelhante e que estender o bem material é muito importante para um grande número de pessoas, mas o bem duradouro, aquele que não morre em mim, que atende, em uma corrente de gratidão, a minha consciência moral, que capta e percebe as verdades, esse deve ser oferecido a todos.
Formoso perceber, com o passar do tempo, como os juízos mais equilibrados fazem surgir sentimentos verdadeiros, quase divinos, irmanados na trilogia: sensibilidade–razão–consciência. Formoso descobrir, com o autoconhecimento, que a sensibilidade usada pelas paixões facilmente se perverte em violência. E o que seria da sensibilidade sem a luz da inteligência?
Formoso também recordar antigos temores que se transformaram em uma sensível fé em mim mesma. Formoso sentir a inteligência e enxergar no outro aquilo que nos falta. Observar que já não nos aborrecemos como antes, uma vez que o pensar e sentir se combinam em muitas situações, imunizando-nos contra incômodos banais. E, ainda, que dar razão ao outro já não é um problema como antes.
Formoso sentir as palpitações espirituais da sensibilidade e da razão, harmonizando-se na descoberta de uma consciência que indica em que mundo eu estou.
“Nos casos em que a sensibilidade é usada para causas e efeitos circunstanciais, geralmente intervêm a razão e os instintos; mas quando é a consciência que intervém nas atuações da sensibilidade, as causas e os efeitos são de caráter permanente.” (da Logosofia)
Um pensamento de Maria José Reis
Economista formada pela PUC-MG, com MBA em gestão ambiental, social e econômica pela FDC. Estudante de Logosofia desde 1991.