Mas falar de tristeza no Natal? Não. A gente apenas reflete, isso sim. Acontece que refletir é quase ficar triste. E a gente se lembra de tantas coisas, de tanta gente e sente saudades. Vêm e vão fatos que aconteceram e que não parecem tão importantes assim, mas eles sempre voltam, pois que ficaram para sempre marcados em nossos registros afetivos. Sempre me lembro de meu tio padre que quando estava doente, precisava caminhar e eu ia dar o braço para ele. Costumávamos andar numa rua sem saída que era ladeada por árvores frondosas. Nessas idas e vindas eu vi umas pessoas simples que passavam e eu disse quase que só para mim mesma: “essas pessoas nunca foram à Disney, ou nunca foram à Veneza”, ao que meu tio retrucou: “e pode crer que muitas são mais felizes do que os que foram à Veneza, à Capri ou à Disney”. Ele não me falou nada que eu já não soubesse, nenhuma verdade estarrecedora, então por que nunca esqueci? Não sei, talvez tenha sido pelo seu jeito filosófico de falar, ou talvez tenha sido por culpa daquele final de tarde, pelo céu melancólico de quase inverno, ou talvez ainda por culpa da lua que vaidosa, já se aprontava para sair, sei lá. E aí eu me lembrei de um poema da Clarice Lispector que diz: “… as pessoas mais felizes não têm as melhores coisas”. Também neste poema ela diz que as dificuldades nos fazem fortes e as tristezas nos tornam mais humanos.
Também por ser época de Natal, justo agora no momento em que escrevo, me vem à lembrança o presépio de meu avô paterno. Devotíssimo do Menino Jesus, meu avô construiu com seu canivete todo um presépio: os anjinhos, as vaquinhas, burrinhos, ovelhinhas e tudo “inho” porque era tudo tão pequenininho e tão bonito! Para uma criança que tudo o mais parece grande, aquele presépio era encantador porque a gente nunca se cansava de admirar cada figura e o próprio Menino Jesus tão quietinho lá no bercinho de palha! Tudo era tão lindo que até dava vontade de chorar. Nossa! A gente é mesmo feita de lembranças!
Mas, alto lá! Eu não estou triste, estou apenas falando daqueles que ficam tristes nessa época de Natal. Eu não, até fico rindo sem parar. Gosto de ver Papais Noéis dizendo: “ho ho ho” e perambulando pelas praças e jardins. Gosto de ouvir corais cantando aquelas músicas natalinas em múltiplas vozes, as mais tristes possíveis! E gosto de ver famílias felizes, avós, pais e filhos passeando, carregando presentes em papéis brilhantes de seda e amarrados em fitas cintilantes, cestas com panetones apetitosos, pinheiros para fazer árvores de Natal, e é claro, exibindo uma felicidade extrema, infinita! Tal como a que agora eu vejo bem em frente a mim, na lata de biscoitos enfeitados: um carrossel dourado com milhares de luzes, crianças e adultos conduzindo sorridentes seus cavalos com ares radiantes, avós e mães acompanhando os pequenos, tendas com balas coloridas e refrescos de sabores paradisíacos, balões subindo no céu e sinos ribombando eufóricos. Enfim, um regozijo absolutamente transcendente, num cenário em que não cabem pobres com mãos estendidas.
Não estou triste, não, juro que não. Apenas reflito sobre a vida que passa. E leio o poema de Natal de Fernando Pessoa: “Natal… na província neva. Nos lares aconchegados, um sentimento conserva os sentimentos passados. Coração oposto ao mundo, como a família é verdade ! Meu pensamento é profundo, estou só e sonho saudade. E como é branca de graça a paisagem que não sei, vista de trás da vidraça do lar que nunca terei”.
Mas não estou triste, é o poema que é cheio de tristeza … pode acreditar.