Ele queria dar de presente à Humanidade a espiritualidade e a sabedoria, mas não pretendia banalizar os mistérios…
Propôs, então, aos outros deuses que encontrassem um lugar acessível mas difícil de ser encontrado, ao qual o homem só chegasse com esforço e por mérito da sua tenacidade.
Deu-lhes três dias para pensar. Quando os reuniu novamente, cada um expôs a sua idéia, longamente acalentada.
Um deles disse: “Colocai a espiritualidade, Ó Divino, no fundo do mar”, ao que Brahma retrucou: “O homem é curioso; ele dominará o segredo dos mares e encontrará sem esforço a espiritualidade”.
Outro sugeriu: “Pensai nos cumes das montanhas mais altas, que são sagradas, Ó Iluminado!” Brahma respondeu, com um sorriso: “O homem escalará as montanhas em busca da liberdade, e tropeçará por acaso com a sabedoria.”
Mais um disse: “Criai cavernas escuras no seio da terra e escondei lá dentro os tesouros da espiritualidade, Ó Bendito…”. Brahma disse: “O homem perfurará a terra que lhe deu origem em busca de ouro e riquezas materiais, e assim pode desprezar, sem perceber, a alma do mundo…”
E todos os outros deuses, por dias e dias, tentaram encontrar um lugar que fosse visível apenas a quem quisesse encontrar a espiritualidade, e invisível a quem vivesse feliz somente com as suas posses materiais.
Findo este tempo, Brahma, na sua infinita bondade, sorriu amorosamente e lhes disse: “Irmãos do meu coração, eu lhes agradeço por me ajudarem a encontrar o lugar ideal para guardar o meu presente mais precioso aos homens: impossível de achar por quem não procura, difícil de encontrar para quem busca com afinco, mas possível de ser visto por quem leva a humildade e o amor nesta jornada.
Eu vou depositar os meus presentes bem no fundo da alma de cada homem. Este é o lugar onde é mais difícil encontrá-los!”
E nós repetimos ainda hoje a profecia d´O Iluminado: procuramos a espiritualidade e a sabedoria que ela trás, onde ela não está: fora de nós. Construímos templos ricos e grandiosos, nos juntamos em bandos sectários, fazemos guerras santas (como pode uma guerra ser santa?), repetimos a esmo palavras obscuras de rituais exóticos que não compreendemos, vivemos pedindo por milagres, e assim nos acreditamos virtuosos, mais virtuosos do que os demais, quanto mais barulho façamos…
E enquanto isto as injustiças sociais proliferam…
E eu não estou falando das desigualdades entre os brasileiros do Norte e os do Sul e Sudeste; estou falando das pequenas injustiças que acontecem ao nosso lado, as quais nós não temos tempo nem sensibilidade prá denunciar; estou falando dos nossos empregados, para os quais nós acreditamos que basta o salário justo; estou falando dos doentes abandonados pela vida nos hospitais ao lado das nossas casas, aos quais não sobra tempo de amar, na nossa vida corrida…
Eu estou falando de louvar a vida enquanto se lava a louça do jantar…