Ah, se os pais pudessem ser eternos!
Se não eternos, ao menos que pudessem nos visitar um tiquinho de tempo quando a saudade fosse grande demais.
Se nem isso fosse possível, que a memória deles não se apagasse nunca; que o roçar da barba no beijo, que o cheiro do perfume ou o toque das roupas nas nossas mãos nunca se apagasse.
Eu sei, é claro, nós podemos todos revivê-los na imaginação: as suas broncas quando crianças, o seu ciúme do primeiro namorado, o cuidado com que nos cobria quando dormíamos no sofá, eu sei disso.
Mas acontece que as recordações aos poucos vão se parecendo com uma foto antiga: ficam amareladas, esmaecidas, os sons mais graves e lentos. E nesse momento a gente tem medo de esquecer, como se o esquecimento enfim fosse a morte.
Porque nossos pais não morrem no dia do enterro ou da cremação, na verdade.
Não sei nem mesmo se a gente percebe direito a dor que sente nesse momento: ela vem embrulhada em perplexidade, num não acreditar na evidência, por mais absurdo que seja.
A compreensão da perda vem como um soco inesperado, às vezes no peito às vezes no estômago, que é onde moram os sentimentos. E depois, ela reverbera longamente, dia após dia, em todas as coisas pequenas onde a gente está sozinha.
E então, só existem as lembranças.
Nem sempre fiéis, mas quem se importa?
Quem disse que a realidade é mais verdadeira do que o sonho?
Porque a saudade é assim: ela se alimenta muito mais da fantasia do que da realidade, seja o que for a realidade. E é exatamente por isso que as pessoas que amamos não morrem, porque as recriamos infinitamente, tempo após tempo, com o que nós temos de mais perfeito: o nosso amor.
É por isso que o medo de se esquecer do amor não é verdadeiro. Porque a gente recria as lembranças a cada novo dia, e cada vez elas podem ser mais coloridas.
Basta que a gente não jogue fora nem as telas nem os pincéis.