Aproveitando o início do ano e da segunda década do século XXI, quando o nosso país será o cenário para grandes eventos esportivos e desponta como a grande revelação não só econômica, mas também social e cultural, proponho refletir sobre o regionalismo culinário brasileiro e sua influência na formação de nossa identidade.
Resumi-lo é um gigantesco desafio, além de ser uma armadilha para o conhecimento, pois pode nos obrigar a restringir excessivamente o mosaico de culturas no qual estamos assentados.Se o tempo em que vivemos exige uma sistematização dos processos culturais que nos influenciam, a fim de preservá-los historicamente, é chegado o momento de aprofundar nosso entendimento sobre a tão falada brasilidade, o que contribuirá para melhor divulgá-la. Todos os processos envolvidos nas produções gastronômicas tem enorme contribuição a dar nessa busca.
Quando sugiro o tema “terroiramazônico”, proponho um desafio, pois, na verdade, qualquerterroirbrasileiro ainda precisa ser elaborado ou até mesmo “descoberto”. Portanto, partilho idéias que iniciam a proposição de alguns conceitos, aos quais, seja como protagonistas ou testemunhas, temos toda a liberdade de elaborar a partir das inigualáveis e únicas experiências que um povo multi-étnico possui em seu rico, e nem sempre tão fácil convívio.
Sob essa perspectiva, o “terroiramazônico” seria o que melhor representa a expressão genuinamente brasileira, por ser aquele que olha com maior atenção o que se tem à sua volta, utilizando produtos e técnicas únicos do local.
O que é possível afirmar é que esse trabalho exige um constante olhar apurado sobre a natureza, a tradição culinária, as influências culturais locais, para que se possa extrair desse somatório de experiências algo que identifique a percepção de aromas e sabores ligados a determinados territórios.A biodiversidade amazônica é considerada a sua maior riqueza. Há quem compare esse início de século como um novo ciclo de descobertas, como o que o mundo viveu no século XVI, tamanha é a diversidade de espécies vivas que podem trazer para a humanidade a possibilidade de conquistas nunca antes alcançadas.
O que assistimos nos palcos dos Fóruns internacionais sobre a preservação do planeta é um intenso debate sobre metas de despoluição e todos os olhares se voltam ao grande desafio do Brasil, país detentor da maior biodiversidade natural da Terra, que deverá explorar as novas descobertas, preservando racionalmente os ciclos vitais para que não se esgotem como ocorreu em todas as outras regiões do mundo.
Nossa cultura de exploração predatória, herdada sobretudo dos europeus, deverá dar lugar à racionalidade para que igualmente se preserve o gigantesco potencial de desenvolvimento, contido em nossa própria natureza.
Para se ter uma pequena idéia do tamanho dessa riqueza, vale informar alguns dados recentes sobre essa propalada diversidade: ” a flora amazônica compreende cerca de 30 mil espécies (algo como 10% das plantas do mundo), e 5 mil delas são árvores com troncos com mais de 15 cm de diâmetro (na America do Norte existem aproximadamente apenas 650 espécies de árvores). São cerca de 1,3 mil espécies de peixes (mais do que é encontrado nas demais bacias do mundo), mais de mil tipos de aves (no mundo, estima-se 9,7 mil espécies), mais de 300 espécies de mamíferos e, pelo menos, 2,5 mil espécies de abelhas.
São 176 espécies de frutas de valor alimentar, incluindo aquelas conhecidas apenas em estado silvestre. Além das frutas, tubérculos, palmitos, castanhas, peixes e crustáceos da Amazônia ilustram, enfim, o grande potencial da região para preparações gastronômicas”.
Somados à essa enorme diversidade contida exclusivamente em seu ecossistema, está também as outras espécies trazidas em diferentes momentos da história e que muito bem se aclimataram, brasileirando-se com perfeição.
O conceito deterroiramazônico, portanto, é o resultado da combinação dos sabores de vários elementos presentes na culinária que se pratica na região.
Na primeira tentativa de sistematizá-lo, Alex Atala e Carlos Alberto Dória, autores do livro “Com Unhas, Dentes e Cuca” nos propõem 4 componentes como a “síntese-Amazônia”:
Há inúmeros outros ingredientes regionais, possibilitando outras abordagens, mas a combinação proposta é, sem dúvida, marcante e dá início a elaboração do mais importanteterroirbrasileiro, resultado de uma exuberante natureza e da ação do homem que resume e domestica o meio natural aos sentidos que proporcionam o prazer gastronômico.
A identidade brasileira, portanto, é estritamente ligada a sua natureza e conhecê-la é o maior movimento de preservação do meio ambiente que podemos promover.
Fonte: ATALA, Alex e DÓRIA, Carlos Alberto ? COM UNHAS, DENTES E CUCA ? Editora SENAC.