(Esta história foi baseada em fatos reais.)
Em junho de 1995, numa tarde fria em São José dos Campos, Narciso estava voltando para casa com a família quando perceberam um velhinho sentado na calçada com um cobertor às costas. A esposa e os filhos chegaram a parar perto do mendigo, mas Narciso os puxou e pediu que seguissem em frente, quando seu filho disse:
– Pai, ele vai morrer de frio essa noite!
– Tem razão, filho. Mas onde estão os vicentinos que deixam isso acontecer?
– Tem muita gente pobre espalhada por aí, pai. Eles não dão conta de socorrer a todos!
Narciso, então, aproximou-se do velho:
– Vô, qual é o seu nome?
– José Geraldo Rodrigues. Eu moro aqui na praça e estou esperando os jovens saírem para poder dormir. Tem dia que ficam até às três da madrugada!
– Sr. Geraldo, o senhor é muito parecido com meu falecido pai. Estou emocionado em lhe conhecer e sei que foi Deus que o colocou em nosso caminho hoje. Por que o senhor não vai dormir no albergue da Prefeitura?
– Eu não conseguiria chegar até lá!
– A minha casa é aqui perto e vamos ajudá-lo. Venha, levante-se!
Ao chegarem, o mendigo queria ficar junto ao cachorro da família na área da frente da casa, mas a mulher de Narciso o levou à cozinha para um prato de sopa quente e o colocou para dormir num pequeno colchão na sala. Antes de adormecer, Narciso ajoelhou-se e rezou:
– Meu Deus, perdoe-me por reparar tanto no mau cheiro do Sr. Geraldo e por pensar: o que faremos com ele amanhã?
Na sala, o velhinho também rezava:
– Senhor, quem é essa família que me acolhe como um parente? Obrigado, meu Deus, pela sopa que eu não comia há mais de um ano com tanta vontade! Obrigado por este colchão quentinho e por essa gente tão santa! É por causa de pessoas assim que o mundo ainda existe; não é, Senhor?
No dia seguinte, Narciso levantou cedo e foi procurar um lugar para o velho ficar, mas, por ser alcoólatra, ninguém o aceitou. Chegando em casa e vendo a família ao redor do Sr. Geraldo tomando o café da manhã, Narciso encheu-se de coragem e disse:
– Vô, não consegui lugar para abrigá-lo. Terá que voltar para a praça.
– Muito obrigado por tudo, meu filho. Fique em pé e me dê um abraço.
Naquela mesma tarde, a família de Narciso foi à praça tomar sorvete e viram o velhinho comendo pão com mortadela. Quando ele os viu, se levantou e falou:
– Sr. Narciso, esqueci meu cobertor em sua casa. Manda logo ele pra mim senão o frio me corta os ossos!
De volta ao lar, olhando o cobertor sujo no chão da casa, Narciso disse a Tarciso:
– Meu filho, hoje é domingo e você vai participar da missa mais bonita de sua vida. Sua missão é ir buscar o Sr. Geraldo para morar conosco. E seja feita a vontade de Deus!
Tarciso voltou para casa abraçado com o velho, como se fosse seu avô de verdade. A recepção foi muito calorosa e rezaram juntos uma Ave Maria. Em pouco tempo, o Sr. Geraldo tinha roupas limpas, um quarto só para ele e uma cadeira exclusiva na mesa de jantar. Parou de beber, deixou de fumar e adorava contar histórias muito engraçadas… e tristes também:
– Meu pai faleceu quando eu tinha seis anos e, em seguida, minha mãe desapareceu. Meus irmãos conseguiram outras famílias para morar, menos eu. Só me sobrou a mamadeira que eu não largava por nada – mesmo vazia! Comecei, então, a dormir no paiol de milho de uma viúva com seis filhos e, com o tempo, Deus tocou no coração dela e passei para dentro da casa. Nas festas que ela dava, eu só comia quando todos iam embora. Adorava os pés de frango que sobravam!
Assim cresceu o Sr. Geraldo, sem saber o que era ser amado e sem ter direito a quase nada das coisas do mundo. Sabia que era filho de Deus e nunca perdeu as esperanças, mas, coitado, apesar de reconhecer que o Todo Poderoso olhava por ele, veio a recaída: voltou a beber! Depois de se alcoolizar, ficava violento e batia com a bengala nas crianças da praça. Os filhos de Narciso eram insultados e até apedrejados quando voltavam da escola.
Procuravam conscientizar o velhinho a não mais beber e evitar confusões, mas ele pedia um pouco mais de paciência que logo estaria morto. Num sábado à noite, o Sr. Geraldo não voltou para casa e vieram avisar a família que ele estava caído na praça. Neste dia, Narciso estava exausto, pois fazia um ano que passava por todos esses problemas. Foi até ao sofá e, na esperança de que a qualquer momento o velhinho viesse a chegar, sem perceber, pegou no sono. Porém, naquela madrugada, ele não voltou.
De manhã, Tarciso acordou o pai aos gritos no sofá:
– A polícia está aí! Aconteceu uma desgraça! O vô morreu!
O enterro do Sr. Geraldo foi digno de um querido filho de Deus. Todos compareceram, todos rezaram e todos choraram. A única família capaz de amá-lo como ele era, sentia a dor da perda do avô. Voltaram para casa meio desconsolados e, no quarto do velho, vendo a bengala e as coisas jogadas, Narciso desabafou chorando:
– Vô, estou decepcionado com o senhor. Lutei tanto para que não morresse na calçada!
Imediatamente, uma voz ecoou do alto:
– Meu filho, quando mais eu precisei, você dormia! Quando procurei a sua mão para me acolher do frio, você estava debaixo do cobertor!
– Perdoe-me, meu Deus! Eu tentei amar e vou continuar tentando! Prometo me tornar um vicentino e socorrer seus filhos, Senhor. Custe o que custar!
– Amando os pobres, querido filho, você sempre será perdoado. O seu vô descansa na minha paz e o aguarda na eternidade. Não se esqueça que sempre estarei contigo.
(Isto se repete ainda nos dias de hoje.)