Tive o prazer de assistir ao filme “Ophelia”, baseado na peça de Shakespeare “Hamlet” (A tragédia de Hamlet). Fiquei profundamente emocionada com a delicadeza de releitura da obra de Shakespeare contada a partir do ponto de vista de Ophelia. Amei as falas de Ophelia, seus diálogos com o irmão e Hamlet. Como sou romântica! Como mereci um grande amor, e o tive, embora tardasse tanto!
Há um momento do filme em que Ophelia diz a Hamlet que “sobreviver não basta”. Como gosto dessas filosofias poéticas! É claro que sobreviver não basta. Há algo maior, muito maior e melhor que não está a nosso dispor ao nosso redor, não, está dentro de nós, nas cercanias de nosso coração. Se formos depender do que nos acontece à nossa volta para estarmos fortes e firmes e exultantes, como seremos infelizes! Ledo engano! Doce ilusão! Mas o que está dentro de nós é intocável e ninguém pode roubar.
Em outro momento quando Ophelia está conversando com o irmão, ele conta a ela sobre a tarefa de abrir cadáveres para estudar os órgãos que existem no corpo, algo ainda degradante para aquela época. Ophelia se põe a conjeturar sobre o que existe dentro de cada um de nós, não fisicamente, mas falando de sentimentos. E ela diz: “sempre me pergunto em que parte do coração reside o amor!” E eu aqui me pergunto em que parte de mim existe essa fonte inesgotável de ternura que a cada dia em que fico mais e mais velha, mais borbulha com tanta profusão! Se me desmanchassem hoje, encontrariam ossos, sangue e ternura em abundância. Ouso repetir o que li em Raul Brandão: “A que se reduz afinal a vida? A um momento de ternura e mais nada, extraio ternura duma pedra”. Eu também!
Sobreviver não basta não. É preciso dar asas aos sonhos, não recusar as dores, antes agradecer porque em nossa alma moram os anjos. Não podemos passar pelo tropel da vida sem afinar os sentimentos, identificar o que realmente importa. E realmente os últimos anos serão os melhores, os mais bonitos.
Tive uma plantinha que envelheceu, ficou feinha, mas eu teimava em conservá-la comigo, dava-lhe água e palavras gentis, nem sei por que. Num belo dia, percebi que dela brotou uma florzinha azulzinha, um mimo! Logo depois secou e morreu para sempre. Mas fez essa delicadeza antes do fim. Vivo encantada com a beleza de tudo que há, eu me quedo muda em gratidão, extasiada por ter a honra de assistir ao assombroso espetáculo da vida.
Divaguei, elucubrei, viajei. Assim que gosto de viver.
Misa Ferreira é autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia e Na casa de minha avó. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva.