Certa vez assisti a uma pequena homilia feita pelo Pe. Ricardo Basso em que ele contou uma história que não se sabe se verdadeira ou não. Serviu apenas para ilustrar o que o padre queria ensinar. Pois bem, a história foi a seguinte: dizem que Leonardo da Vinci, o grande cientista, inventor e pintor, entre outros tantos títulos quanto obras, tinha por hábito procurar por pessoas reais para suas pinturas, ou seja, aquelas que melhor poderiam espelhar o que ele pretendia pintar. E as procurava onde sabia que as encontraria, por exemplo, uma dona de casa comum naquela época medieval, uma criança encantadora, um homem do povo ou um ricaço. O fato é que ele convidava essas pessoas para servirem de modelo.
Querendo encontrar um homem grosseiro, encrenqueiro e fanfarrão para certa pintura, ele foi até uma taverna onde, sem muitas delongas, logo encontrou o modelo perfeito para seu quadro. Pagou uma bebida para o sujeito e depois de combinado o preço, lá foram para o local onde o pintor trabalhava. Chegando lá o homem caiu em profundo mutismo, e visivelmente emocionado, pôs-se a chorar. O pintor, surpreso, lhe perguntou o que havia acontecido, ao que o homem respondeu:
Eu já estive aqui, foi há bastante tempo. O senhor me convidou para posar servindo como modelo para o bom ladrão na cruz, ao lado de Jesus. Foi aí que Leonardo da Vinci compreendeu. O mesmo homem agora iria servir como modelo para o mau ladrão na cruz. Da primeira vez seu modelo era praticamente outro homem, semblante tranquilo, e naturalmente, não estava numa taverna. O homem lhe revelou que sua vida havia degringolado, perdera a família, embriagava-se todos os dias, começou a cometer furtos e frequentemente metia-se em confusões e brigas. No momento ele era o modelo perfeito procurado por Da Vinci. E o coração daquele pobre homem foi tocado pela triste e real constatação do que havia se tornado.
Lenda ou história real, o fato é que me pus a pensar para que quadro seríamos convidados para posar. Dificilmente conseguimos enganar as pessoas, pois o que somos interiormente acaba por se revelar em nossas atitudes exteriores ou nosso semblante agitado, com reações agressivas e impacientes. Há que considerar que somos seres humanos imperfeitos, sujeitos à nossa miserável humanidade. Fazemos bons propósitos, mas caímos sete vezes ao dia diz a Bíblia, também não fazemos o bem que queremos e sim o mal que não queremos, São Paulo que o diga. Queremos ser pacíficos e encontrar uma forma de vida pacífica, mas logo somos cutucados por espadas afiadas seja no trânsito maluco, seja no trabalho ou em nosso próprio lar. E tudo vai por água abaixo. Deve haver um meio termo, um caminho do meio que nos permita olharmos e conhecermos quem realmente somos. Alguma coisa em nós deve ser mudada, aliás, jamais mudaremos os outros. A faxina começa em nós mesmos. Ainda assim seremos imperfeitos, mas com serenidade, não percamos a esperança.
Por Misa Ferreira
Autora dos livros: Demência: o resgate da ternura, Santas Mentiras, Dois anjos e uma menina, Estranho espelho e outros contos, Asas por um dia e Na casa de minha avó. Graduada em Letras e pós graduada em Literatura. Premiada várias vezes em seus contos e crônicas. Embaixadora da Esperança (Ambassadors of Hope) com sede em Calcutá na India. A única escritora/embaixadora do Brasil a integrar o Projeto Wallowbooks. Desde 2009 Misa é articulista do Conexão Itajubá, enviando crônicas e poemas. Também contribui para o jornal “O Centenário” de Pedralva