O sofrimento pela perda de alguém muito importante é curioso: vai e volta, aperta e faz chorar de novo, cede como milagre e vem a paz, volta outra vez mais ardido, e assim permanece por muito tempo, quem sabe pra sempre.
Antigamente se dizia que um ano era tempo suficiente para que o luto fosse ultrapassado e a vida voltasse ao normal. Sem a pessoa, é claro, mas com tudo de novo no lugar, até o espaço livre para um novo amor.
Eu tenho lá umas ideias meio diferentes: depois de lidar com os meus vários lutos, de acompanhar os das pessoas que me procuram, percebo que a ferida que se abre na alma quando alguém muito amado se vai, não fecha nunca mais.
Tal como uma ferida no corpo, ela vai lentamente se refazendo, se nenhuma infecção alterar o curso da natureza (na alma as infecções são as culpas, a raiva, o que não foi perdoado…), e assim vai se tornando menos sangrante.
Mas, embora o processo de cicatrização siga o seu curso (o tempo tem muito a ver com a cronificação da ferida), qualquer trauma inadvertido abre a ferida outra vez. Uma voz, um lugar, um perfume, um bilhete encontrado por acaso, têm o poder de arrancar a fina casca que se forma, e aí tudo é agudo de novo.
Na minha prática, percebo que esse caminho de vai e volta da dor aguda é eterno para o enlutado.
Os livros hoje dizem que o tempo do luto, embora estendido por cada pessoa para dar conta do individual de cada relação, um dia cessa. Qualquer outra coisa vem a se chamar luto complicado, e compromete a adaptação do indivíduo à vida, com perda de qualidade dessa mesma vida.
Não sei…
Penso em mim mesma: tudo o que me era precioso e fundamental para a qualidade e a dignidade da minha vida está intacto, e nem sei se se alterou nos tempos de perda recente. O meu trabalho me dá o mesmo prazer de antes, quem sabe até mais, porque é pra ele também, porque compartilho com ele, como um presente.
O que não me dá mais prazer porque ele não está comigo, como festas e viagens, eu me dou o direito de não viver mais, e isso não é absolutamente perda.
Vamos conversar mais vezes sobre o luto?