Como se o serviço de saúde já não deixasse a desejar para os mais simples e humildes, como se as filas para marcar consultas em postos de saúde não começassem às três da manhã ou pela noite toda, como se os medicamentos não faltassem para quem não pode pagar, assistimos, estupefatos e horrorizados ao episódio da mãe que perdeu seu bebê que morria enquanto dois médicos praticavam luta livre em plena sala de parto de um hospital. Sem conhecimento dos motivos que levaram os dois profissionais de saúde a se atracarem na hora de um parto, conjeturamos: teria sido por dinheiro? Concorrência? Divergência pessoal? Fosse qual fosse o motivo, não importa porque qualquer razão, explicação ou justificativa seria irracional, inexplicável e injustificável para poder esclarecer o inadmissível comportamento dos médicos e consequente morte dessa criança que poderia e deveria ter vivido.
Talvez pudéssemos compreender o incompreensível se os médicos que trocaram chutes, pontapés e socos tivessem se enganado de profissão ou quem sabe de juramento, pois, ao invés de prestar o juramento de Hipócrates, o Pai da Medicina, tivessem homenageado Zeus e seu pai, Kronos, conforme reza a lenda. Zeus, o deus homenageado nas Olimpíadas, teria se tornado o soberano do mundo ao vencer uma disputa de luta livre com seu pai, Kronos. Os médicos podem também ter se inspirado em Hércules e Theseus, nas antigas lutas gregas, mistura de boxe com luta livre, com golpes e técnicas que compreendem socos, chutes, estrangulamentos, imobilizações em que não havia limite de tempo.
Vale aqui lembrar alguns trechos do juramento de Hipócrates: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva… Conservarei imaculada minha vida e minha arte…Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça”.
Pobre Hipócrates, desonrado por pobres hipócritas da saúde que se denominaram médicos e agiram como vândalos, perdendo a noção da seriedade de sua profissão, guiando-se por instintos bestiais e motivos torpes quando abandonaram uma mulher ao desespero e causaram a morte de seu bebê. Antes tivessem seguido a profissão de lutadores profissionais, dando vazão à brutalidade que carregam dentro de si. Até que se prove o contrário, segundo o juramento de Hipócrates, os dois médicos brigões se afastaram e infringiram o juramento e dessa forma, que não lhes seja dado gozar felizmente da vida e de sua profissão e que eles não sejam mais honrados entre os homens.