O ano de 2024 já é considerado o mais quente da história. A informação foi divulgada neste mês pelo observatório europeu do clima, o Copernicus. Para os pesquisadores, é difícil que a situação seja amenizada, mesmo que dezembro ainda não tenha terminado.
De acordo com Michelle Reboita, pós-doutora em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professora do curso de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), a marca é um reflexo das mudanças climáticas provocadas pela atividade humana.
Outro indicador preocupante divulgado recentemente pelo Copernicus é que este também será o primeiro ano em que o planeta ficou 1,5º C mais quente do que na média das temperaturas de era pré-industrial, de 1850 a 1900, quando as nações industrializadas começaram a explorar combustíveis fósseis.
“Vários estudos têm mostrado que, se a temperatura média global exceder um crescimento de 1,5°C, ocorrerão efeitos irreversíveis (os chamados tipping points) no sistema climático. Um exemplo que pode ser citado é o degelo da Groenlândia, que não será possível reverter.”
Michelle Reboita
Pós-doutora em Meteorologia pela USP
Para a pesquisadora, caso medidas adequadas não sejam tomadas, novos recordes de temperatura tenderão a ser frequentes, assim como eventos climáticos extremos como as inundações no Rio Grande do Sul ocorridas neste ano. Mesmo em menor proporção, Minas Gerais também precisou lidar com enchentes e prejuízos atrelados a elas.
Atenta à necessidade de implementar medidas para fazer frente a esse contexto, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) entregou, neste mês, o Prêmio Assembleia de Incentivo à Inovação – Crise Climática para dez propostas de soluções inovadoras com potencial para prever, evitar ou minimizar as causas ou efeitos das mudanças climáticas no Estado de Minas Gerais.
As iniciativas premiadas foram selecionadas entre 124 inscritas, de diversas regiões do País, no concurso promovido em parceria com o Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC). Cada uma recebe R$ 60 mil e vai poder participar de um programa de aceleração do BH-TEC para viabilizar que as propostas cheguem ao mercado.
Entre as propostas selecionadas, quatro visam justamente prevenir enchentes e deslizamentos a partir do monitoramento contínuo de áreas suscetíveis, bem como da supervisão das chuvas e do nível da água. Além disso, outro foco é a prevenção de perdas por eventos climáticos.
Para Michelle Reboita, esse monitoramento é fundamental. “Se não monitoramos, não registramos e não temos informações para construir um modelo que oriente a tomada de decisões por gestores”, diz a pesquisadora.
Vindos de cidades diferentes, os autores dessas soluções premiadas têm em comum o fato de serem estudiosos que buscam transpor os conhecimentos adquiridos em universidades do País para a vida prática, a fim de mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Conheça abaixo a trajetória e o trabalho desenvolvido por esses quatro classificados.
Quasar monitora áreas suscetíveis com uso de satélites
CEO e cofundadora da Quasar, Thais Cardoso destaca que a empresa, sediada em São Paulo, tem origem no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
O trabalho, que ficou com o primeiro, envolve a utilização de constelações de satélites públicos e privados, a partir dos quais são extraídos dados como imagem multiespectral, radar de abertura sintética e informações climáticas. Esses dados são processados por inteligência artificial, disponibilizando um raio-X completo da área de interesse a cada 30 minutos.
Thais Cardoso informa ainda que a empresa de serviços espaciais conta, por trás da plataforma, com mais de 16 parâmetros de física e química envolvidos. Entre eles, são considerados pluviometria, umidade do solo, compactação desses solos, tipo de vegetação, perfilamento da água e densidade demográfica.
Para Thais, engenheira espacial, mestre, doutoranda pelo ITA, com especialização em transições verdes por Cambridge, o serviço tem tudo para agregar ao monitoramento em Minas, assim como já tem sido feito por defesas civis e prefeituras, bem como pela iniciativa privada nas áreas de ferrovias e rodovias.
“Crescem cada vez mais no Estado de Minas Gerais os riscos para desastres naturais. Segundo dados do governo federal, um terço dos municípios mineiros podem sofrer consequências disso, o que impactaria mais de um milhão de pessoas.”
Thais Cardoso
CEO da Quasar
Startup monitora nível da água com sensor
CEO da Tidesat Global Tecnologia e Desenvolvimento, Douglas Leipelt relata que a startup foi criada dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, com objetivo de monitorar o nível das águas (rios, mares, lagos e represas), a partir de uma tecnologia inovadora que se chama refletometria do sinal GNSS.
“Utilizamos a reflexão do sinal do GNSS, o mesmo utilizado para pedir um Uber, para se localizar. A reflexão desse sinal na superfície da água permite que a gente consiga medir o nível da água”, explica.
Sexta colocada no prêmio da Assembleia, a proposta já tinha sido implementada na região de Porto Alegre. Segundo Douglas Leipelt, quando ocorreram as enchentes na localidade no primeiro semestre deste ano, outros sensores acabaram “afogados” pela água e, em certo momento, os da Tidesat foram os únicos que continuaram ativos.
Isso se deve à tecnologia empregada, a qual permite a instalação dos sensores em locais altos e protegidos das intempéries. De acordo com Douglas Leipelt, outros diferenciais desse sensor são o baixo custo quando se compara com os de radar e a manutenção facilitada. A startup também oferece serviço completo de monitoramento, incluindo processamento e visualização dos dados.
Em Minas Gerais, a empresa vai instalar sensores em lugares críticos para uma prova de conceito. De acordo com o CEO da startup, esses sensores vão auxiliar na medição do nível d’água com atualizações frequentes e automáticas.
Foco na prevenção de perdas causadas por clima
A Saltica, sétima colocada, trabalha com a prevenção e mitigação de perdas causadas pelas mudanças climáticas. Conforme explica sua cofundadora, Bárbara Soares, ao desenvolver tanto a vida profissional quanto a empresa em si, acabou se deparando com a questão das alterações no clima.
“Para se ter uma ideia, só esse ano, no primeiro semestre, o prejuízo global ligado aos desastres climáticos foi em torno de US$ 120 bilhões.”
Bárbara Soares
Cofundadora da Saltica
A pesquisadora relatou que a Saltica, sediada em Belo Horizonte, começou a trabalhar com diferentes metodologias para trazer uma solução que ajudasse as cidades, do início ao final, a lidarem com esses eventos.
Para tal, faz uso de uma ferramenta agregadora de dados locais, regionais e globais, que mensura riscos. É gerada uma classificação numérica, em escala que vai do mínimo (1) ao crítico (5).
“A gente avalia oito riscos climáticos diferentes e agrega os valores de cada um desses riscos por fenômeno climático para gerar um único número. E esse único número permite a priorização das ações”, explica.
Empresa faz acompanhamento hidrológico em estações
Asthon Tecnologia é uma empresa de Itajubá, no Sul de Minas Gerais, fundada a partir de um projeto de iniciação científica dentro da universidade federal, na cidade, cuja proposta ficou com a oitava colocada na premiação.
“Nós desenvolvemos um sistema de monitoramento hidrológico que visa tornar as bacias mais inteligentes. Ele é composto por estações de monitoramento que coletam o nível dos rios, ribeirões, quantidade de chuva e transmitem essas informações em tempo real via rede LoRaWAN. Permite assim emissão de alertas preventivos e previsão de inundações via inteligência artificial, auxiliando na gestão de eventos extremos”, explica a CEO da empresa, Vitória Baratella.
Conforme a gestora, as estações de monitoramento desenvolvidas transmitem informações em locais em que 4G, wi-fi e outras redes de rádio de frequência não funcionam bem. Em sua opinião, o LoRaWAN é um grande diferencial desse sistema de monitoramento porque funciona como se fosse um wi-fi de longa distância, operando por bateria com duração de praticamente um ano, a depender da taxa de envio de informação.
Atualmente, como relata Vitória, o sistema opera em seis municípios do Sul de Minas, sendo que cinco deles se uniram em um consórcio para utilizar o serviço. Além disso, uma cidade do sul do País deverá receber o monitoramento em breve.
Por ASCOM/ALMG