O Conselho Federal de Medicina, pela Resolução de número 1973/2011 publicada no Diário Oficial da União de 01.08.2011, cria três novas áreas de atuação médica: medicina do sono,medicina paliativae medicina tropical.
Seria de se esperar que a minha alma estivesse em festa, mas não está!
Eu explico: isto significa que os médicos que quiserem, após o cumprimento do tempo de Residência em qualquer das especialidades da medicina, poderão optar pelo treinamento adicional em uma destas três novas áreas.
Entretanto (no que diz respeito a Cuidados Paliativos), a notícia esclarece que apenas as especialidades declínica médica, cancerologia, geriatria e gerontologia, medicina de família e comunidade, pediatria e anestesiologiapoderão oferecer aos profissionais titulados a opção de se tornarem paliativistas! Nenhum outro especialista terá o direito de fazer Cuidados Paliativos (CP) no país…
Quem me conhece sabe que a minha bandeira (e a de muitos outros sonhadores por este imenso país) é a de divulgar mais e mais os princípios dos Cuidados Paliativos, estimular a prática, ensinar o maior número possível de pessoas, profissionais da saúde ou não, a reclamarem o direito à dignidade do Cuidado ao doente, muito além do que apenas a cura da doença.
Entretanto, eu nunca teria lutado para que apenasalgunsmédicos fizessem Cuidados Paliativos; a minha luta e a de muitos mais sempre foi a de quetodosos médicos recebessem treinamento em Cuidados Paliativos, de preferência durante a Graduação e bem cedo, desde o primeiro dia de aula, para que enfim as próximas gerações de médicos voltassem a ser humanos, amorosos, os cuidadores que já foram no passado… Que aprendessem toda a avançadíssima Ciência da cura mas que não se deixassem fascinar pela tecnologia a ponto de perder o hábito da conversa olho no olho…
E agora a Resolução nos diz que um cirurgião, por exemplo (e muitos outros especialistas), não poderá fazer Cuidados Paliativos se assim o quiser. Uma querida amiga, cirurgiã competentíssima e há muitos anos praticante de CP, está muito triste: ela terá que deixar os seus pacientes! O nosso Conselho não permite que se pratique uma especialidade para a qual não se é titulado…
Pela primeira vez em séculos de ciência médica cartesiana, que fatia o homem em partes separadas e quase sem comunicação entre si, Cuidados Paliativos trazia o símbolo da re-união do Ser Humano no Todo indivisível que ele nunca deveria ter deixado de ser…
Perdemos a oportunidade de corrigir o erro histórico; mais uma vez o poder traçou o caminho. O poder de incluir e excluir, o poder de ser, enquanto outros não são quando querem, podem e devem ser…
Eu não quero e não devo fazer julgamentos sobre a alma das pessoas; mas quem pode, em sã consciência, desconhecer a urgência de se formar médicos mais humanos, mais atentos à alma dos seus doentes e não apenas a um pedaço dos seus corpos, mais dispostos a cuidar do doente e não da doença?…
Derek Doyle, um dos paliativistas mais respeitados em todo o mundo diz que, na Inglaterra (o berço dos CP), optou-se por levar Cuidados Paliativos à posição de especialidade e assim sequestrá-la como prática de alguns, apenas porque os médicos que a praticavam temiam não ser respeitados e valorizados pelos seus pares…
Não aprendemos nada nestes anos todos!
É por isto que fico com vontade de pedir aos leitores um minuto de silêncio…