Querida amiga

Sua partida nos deixou todas com cara de paisagem, sem achar graça em nada, como crianças em fim de férias, e concluo que, de fato, minha irmã tem razão: o mundo ficou mais pobre e mais triste sem você. Nosso sentimento é de perplexidade, de perda total com danos irreversíveis. O caos foi instaurado em nossa vida e não sabemos como reorganizar as coisas.

Eu preciso ainda dizer algumas coisas, afinal a gente tinha sempre tanto assunto! Não deu tempo de te contar, imagine que existe agora quase 99% de chance de eu conseguir 21% de patrocínio para a edição do meu livro infantil. Já é alguma coisa! Eu acho que havia contado sim pra você do que se trata: dois anjos descem cá na Terra para salvar uma menina que está muito triste num orfanato. Tudo acaba bem porque é um livro de ficção e eu tenho liberdade de acabar a história como eu quiser. Histórias reais são mais difíceis, às vezes são chatas e outras vezes horríveis. A propósito do livro, se você encontrar aí em cima dois anjos trapalhões, são eles. Vivem descendo, metendo as asas onde não devem, depois voltam para passar relatório para Deus. Você vai adorar conhecê-los.

Estou brincando, mas é que está doendo pra valer. Bem, Goethe dizia assim: se uma dor te aflige, faze dela um poema. Poema não dá, não sei mesmo fazer, os poucos que tentei ficaram ridículos, foram para o lixo, só sei fazer assim corrido como quem está conversando.

Escritores e artistas pintam o Céu das mais variadas maneiras. Para mim, o meu jeito humano de imaginar o Céu é assim: algum anjo de asas brilhantes encarregado do anúncio de sua chegada estaria diligentemente pregando com cola de pó de estrelas um aviso numa nuvem branquinha. Os parentes, amigos e amigas já estariam por lá lendo com alegria o tal aviso. Então, colocariam sua melhor veste de festa celeste, e ficariam de prontidão no portão do castelo real. E você, minha querida amiga, ia chegando, desta vez sem mala na mão porque tudo que você precisava já carregava no seu coração, e logo veria feições conhecidas, e com aquele seu sorriso fascinante iluminando seu rosto, diria: Enfim, na casa do Pai onde “Ele nos enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.” E haveria uma grande festa no céu neste dia e nos próximos também. Amém.