Nesta nossa pobre e infeliz sociedade materialista, onde Ter é mais importante do que Ser, fizemos algumas escolhas que nos pareciam necessárias e que agora se mostram insuficientes para nos trazer uma vida digna e feliz.
Relegamos a Emoção e o Sentimento para a periferia da consciência e esperamos da Razão uma resposta final e definitiva para questões profundas como a do significado da Vida.
Demos privilégio absoluto à Lógica racional e deslocamos o Espírito e a Alma para o território do Não Real.
Não conferimos direito à Arte de conviver com a Ciência; a poesia não tem o direito de estar próxima de um texto científico, sob pena de diminuí-lo em seriedade, credibilidade e conteúdo…
Os opostos já não convivem em harmonia; um lado tem privilégio absoluto sobre o outro, e negamos o quanto podemos, a importância e a necessidade do que não compreendemos.
Assim, o Belo não tolera o Feio, a Juventude abomina a Velhice, o Homem oprime a Mulher, a Pobreza ofende a Prosperidade, a Morte agride e envergonha a Vida…
Nos nossos Hospitais equipadíssimos, morrer é uma ofensa às boas intenções da cura e dos curadores, morrer é um ato quase obsceno, como já foi o sexo um dia.
Não é de se estranhar que sejamos tão infelizes e violentos, enquanto sociedade! O ódio espuma dentro de nós e escorre pelos dentes à menor provocação; o amor se esgueira pelo escuro das intimidades muito protegidas, quase envergonhadas e se assusta e voa à menor frustração.
E andamos todos por aí, à deriva, desesperadamente necessitados de uma mão amiga e de um coração solidário; e assim vai passando a Vida, até que um dia, algum fato anuncie a partida.
Vemos isto ocorrer com a maioria dos nossos pacientes nos hospitais, nos nossos consultórios, nas suas casas, onde quer que estejamos com eles quando chega o momento de lhes dizer que algo não vai bem.
E não há como evitar o arrepio gelado que acompanha a pergunta que nesta hora, queiramos ou não, fazemos a nós mesmos: “e quando acontecer comigo?”
Pois eu penso que a resposta nós só encontraremos se nos deixarmos contaminar pela emoção do outro, pelos mistérios do mundo, pela simplicidade das flores, pela beleza da poesia…
Porque é lá, e não na matéria dura e fria dos objetos de poder, que mora, escondido, o sentido da vida!
E quando for a minha vez de olhar de frente a face da Morte? Tantos pacientes me mostraram as suas dores e perplexidades, tantos compartilharam comigo as suas descobertas, tantos generosamente me sussurraram as respostas que encontraram para a Vida no momento da Morte, que eu presumo que possa tomá-los a todos como Mestres…
E lhes agradeço profundamente por isso!
Graça Mota Figueiredo
Professora Adjunta de Tanatologia e Cuidados Paliativos
Faculdade de Medicina de Itajubá – MG