É indiscutível que o nosso país necessita de uma reforma tributária. São dois os principais fatores que jogam contra o desenvolvimento de nossa economia quando falamos de cenário tributário brasileiro. O primeiro, a grande carga tributária e o segundo a complexidade do sistema arrecadatório.
Há décadas se fala de reforma tributária no ambiente político e econômico. Tal processo será sem dúvidas complexo e quanto mais efetiva for a reforma maiores as chances de resultar em um cenário econômico difícil de se prever com segurança. Tais incertezas são geradas pelas mudanças nos preços relativos praticados em nossa economia que são fortemente distorcidos pela atual legislação tributária, cheia de exceções e regimes especiais construídos para atender a pressão política de setores da economia.
Neste sentido, tratar qualquer reforma tributária de forma simplista seria ingenuidade e poderia levar o cidadão a erros de opinião e de apoio a mudanças que podem trazer prejuízos à sua vida, principalmente do ponto de vista das finanças pessoais. Por esta razão trataremos nos nossos próximos painéis de economia e finanças no Conexão Itajubá de conceitos bem fundamentados sobre como as economias costumam responder a adoção de determinados impostos.
Os resultados finais das reformas tributárias que ainda estão em formato de propostas do executivo, câmara e senado são difíceis de serem previstos com precisão. Desconfie de estudos pouco fundamentados. Busque informação de qualidade e não apenas as histórias contadas em pequenos textos com autoria duvidosa que recebe no Whatsapp. Reforma tributária é um assunto muito importante. Você deve ser capaz de opinar e cobrar os políticos por escolhas acertadas. A configuração final pode afetar a vida de todos e o sucesso ou fracasso econômico do nosso país.
O primeiro conceito importante a ser compreendido quando se fala de imposto é a razão pela qual uma maior carga tributária prejudica a economia. Tal compreensão passa pelo entendimento do que na teoria econômica chamamos de Peso Morto.
De uma forma bastante simplista podemos dizer que peso morto é a redução das transações do mercado de bens e serviços que decorre do aumento da carga tributária. Este efeito ocorre por duas vias. A do produtor que ao vender seu produto com uma carga tributária maior fica com uma parte menor do valor final da mercadoria ou serviço devido a alta parcela que é devida ao estado que tributa. E o consumidor que ao comprar algo paga mais caro devido ao imposto. O produtor se sente menos estimulado a produzir pois terá ganhos menores ou até prejuízo devido aos impostos e o consumidor se sente menos propenso a consumir com preços mais altos. Se o vendedor não produz e o consumidor deixa de comprar, ninguém se beneficia do mercado e a economia encolhe. Reduz-se a renda das pessoas gerada pela produção e o bem-estar gerado pelo consumo.
Isto significa então que os impostos deveriam ser extintos? Não, de forma alguma! Alguns serviços possuem características de bens públicos e recursos comuns, ou seja, são de difícil precificação e levam a maior eficiência quando providos pelo governo. É o caso da segurança pública. Imagine só se cada um tivesse que ter sua própria polícia ou exército para se defender. Viveríamos na barbárie! Impostos estão aí para que possamos centralizar este poder e ter recursos para pagá-los[1].
Mas a compreensão do peso morto é importante para sabermos que se um novo imposto está sendo proposto sem que haja a redução de outros teremos uma redução do tamanho do mercado. Acreditar que um imposto será criado para em breve ser extinto ou no futuro compensar a redução de outro é inocência. Exija do seu político que a criação do novo imposto, que pode sim simplificar a estrutura tributária do país já venha acompanhada da extinção ou redução dos impostos antigos.
Hoje falaremos de um dos impostos que o Ministério da Economia vem defendendo e tem tudo a ver com promessas antigas de impostos que seriam extintos em curto período de tempo como uma enganação ao povo brasileiro. Vamos conhecer as características dos impostos sobre movimentação financeira, modelo que já afligiu o Brasil com o nome de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), e provavelmente virá com uma nova sigla para disfarçar e tentar descolar a imagem da antiga contribuição.
Por se tratar de um novo imposto se não vier acompanhado de uma imediata redução de outros irá sim gerar mais peso morto em nossa economia. Além de aumento da carga tributária é importante que a população saiba todas as deficiências deste imposto. E é isto que viemos apresentar neste artigo.
Trata-se de um imposto que incide sobre qualquer movimentação financeira. Ou seja, usei meio cartão de débito, ou de crédito, ou fiz uma transferência bancária serei imediatamente tributado. As informações sobre o valor da alíquota ainda são bastante desencontradas. Fala-se de 0,1% até 8%. Mesmo se estivermos falando de uma alíquota de 0,2%, menor do que a da antiga CPMF (começou em 0,25% e chegou a 0,38%), estamos falando do que seria equivalente a rentabilidade do seu dinheiro que está no banco durante um mês aplicado em um investimento que renda 100% da Selic. Parece, mas não é uma alíquota desprezível, ainda mais no cenário de juros baixos que vivemos.
É um imposto que incide sobre movimentação financeira, seja ela associada a geração de riqueza (renda) ou não. Penalizando aqueles que vendem produtos processados por terceiros ou com cadeia de produção que inclui muitos participantes. Cada vez que um participante da cadeia vender ao próximo o produto lá estará o imposto incidindo sobre o valor total da transação. Este tipo de imposto é conhecido como sendo um imposto cumulativo ou com incidência em cascata.
Vamos compreender olhando para o exemplo do padeiro. O trigo para ser produzido precisa de fertilizante, mão de obra, sementes e máquinas. Ao pagar cada um destes fatores de produção através de uma movimentação financeira, haverá a incidência deste tipo de imposto. O empresário que processa o trigo para transformá-lo em farinha também pagará o imposto ao comprar o produto do agricultor. Também pagara ao remunerar cada um dos seus fatores de produção. O padeiro ao comprar a farinha pagará novamente o imposto. Incidindo inclusive sobre o valor final da farinha que já continha em seus custos rodadas anteriores de custos do imposto e assim por diante, chegando até ao consumidor final que pagará novamente ao comprar o pão.
Portanto, não é difícil perceber que quanto maior for a cadeia de produção mais prejudicial será o imposto em termos de acréscimo de preços. Serão penalizados principalmente as pequenas empresas. As grandes geralmente possuem maiores chances de internalizar os processos dentro de uma mesma indústria. É o que chamamos de verticalização da produção em uma mesma empresa. Com a verticalização o número de movimentações financeiras é reduzido, gerando menor incidência de impostos durante todo o processo de produção.
Comerciantes que empregam muitas pessoas e compram produtos com complexas cadeias de produção podem se preparar para ver seus preços aumentando e o peso morto surgindo. Os exportadores também serão muito prejudicados. Atualmente contam com benefícios fiscais por trazerem divisas internacionais ao nosso país e seriam afetados por um imposto aos moldes de uma nova CPMF, encarecendo nossos produtos no mercado externo.
O imposto também gera o que chamamos de desbancarização, ou seja, as pessoas deixam de preferir meios mais seguros de fazer transações por meios eletrônicos para evitar o pagamento de impostos. O papel moeda será a fuga natural de um excesso de tributação, principalmente nos setores informais. Não manter o dinheiro em bancos também limita o acesso a serviços financeiros como investimentos e empréstimos. Artigos acadêmicos mostram que ao adotar este esquema tributário diversos países verificaram uma maior demanda por papel moeda e até mesmo cheques que circulavam de mão em mão antes de serem depositados (o quase extinto no Brasil cheque de terceiros).
O imposto também é considerado regressivo, ou seja, pesa mais sobre os mais pobres. Afinal a alíquota costuma ser a mesma independente da renda de quem paga. No entanto, o pobre movimenta parcela maior de sua renda ao longo do mês. O mais rico mantém uma parcela maior de seu dinheiro parado no banco apenas rendendo e se não há movimentação não há incidência deste tipo de imposto.
Além de todos estes fatores, é importante destacar os países que possuem impostos similares à CPMF: Argentina, Bolívia, Colômbia, Honduras, Hungria, México, Paquistão, Peru, República Dominicana, Sri Lanka e Venezuela. Nenhum destes países tem se destacado em termos de desenvolvimento e crescimento econômico nas últimas décadas. Ou seja, este tipo imposto não é adotado pelas economias desenvolvidas do mundo moderno.
A tendência no mundo desenvolvido tem sido a adoção de impostos que tributam a geração de riquezas, conhecidos como Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), portanto, bem distinto deste que tributa toda e qualquer movimentação econômica, seja ela associada ao ganho de renda ou não. No Brasil a proposta que atualmente mais se aproxima da criação de um IVA é a do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) que aparece na PEC 45 da câmara dos deputados e prevê os princípios da não cumulatividade. Se tributa apenas o Valor Adicionado naquela fase da cadeia produtiva e não o custo dos insumos produtivos.
Se você acredita que a reforma tributária pode lhe prejudicar, cobre o político em quem votou para que ele proponha reformas que lhe beneficie. Estaremos aqui para lhe ajudar a compreender este complexo assunto.
Prof. Dr. André Luiz Medeiros
Prof. Dr. Moisés Diniz Vassallo
Prof. Dr. Victor Eduardo de Mello Valerio
DENARIUS – Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação Financeira
Instituto de Engenharia de Produção e Gestão (IEPG)
Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).
O painel de educação financeira é uma parceria do programa Conexão Itajubá com o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação Financeira (DENARIUS UNIFEI).
https://www.facebook.com/denarius.unifei/
[1] Em setembro de 2018 na nossa coluna do Conexão Itajubá explicamos o que são bens públicos e recursos comuns: https://conexaoitajuba.com.br/bens-publicos-versus-bens-privados-onde-o-governo-deve-atuarem-epocas-de-eleicoes-e-comum-surgir-a-discussao-do-que-deve-ser-pauta-de-governo-ou-nao-onde-o-governo-deve-atuar-o-que-e-essencial-ou-e/