Um dia em particular marcou minha vida de aluno a oficial da reserva. No exercício de ‘Fuga e Evasão’, éramos prisioneiros e conseguimos fugir do acampamento inimigo. Apenas nove pessoas resolveram escapar num momento de desatenção dos guardas, e eu estava no grupo.
Fazia frio e chovia muito nas montanhas, contribuindo para o nosso sofrimento, já que vestíamos apenas calção. E partimos em direção à cidade de Maria da Fé, lugar ainda mais frio; mas o que incomodava muito era a fome. Estávamos há 24 horas sem comer e ficamos felizes quando avistamos uma casinha no campo.
Ao nos aproximarmos, uma senhora veio ao nosso encontro e, imediatamente, ouviu o pedido meio incomum do aluno Rennó:
– Dona, a senhora tem um arrozinho com ovo pra gente comer?
A resposta alegrou nossos corações:
– Tenho sim. Já fiz a janta de hoje e vou servir vocês. Esperem um pouco.
Devia ser mais ou menos 10 horas da manhã e, para nossa sorte, até o jantar estava pronto naquele abençoado lar. Imaginamos que era mais prático e econômico fazer a comida de uma só vez, antes do almoço, mas, por nossa causa, aquela senhora teria que cozinhar tudo de novo!
E logo chegaram os nove pratos bem caprichados. Não lembro exatamente o que tinha de comida, mas sei que havia feijão, arroz, tomate e carne de porco. O ovo que o Rennó pediu, não recordo se fazia parte do cardápio. E comemos como padres! Heheheh…
Abastecidos, chegamos a Maria da Fé e as áreas alagadas não nos permitiram continuar. Ficamos abrigados numa oficina mecânica, aguardando a chuva passar. Como o aluno que mais tremia de frio era eu, aceitei vestir um macacão todo sujo de graxa, que me salvou de padecer congelado.
À noite, o pai de um dos fugitivos chegou para nos levar de caminhonete para Itajubá. E após o banho, pedi à senhora da pensão onde eu morava ir comprar um lanche na padaria, pois eu não podia me expor na rua para não ser preso pelos inimigos.
Bem, mas sabe por que estou contando tudo isso? Na verdade, quero me reportar a um sentimento de ingratidão que guardo no coração, porque não me lembro como agradeci – e se agradeci – as pessoas que me ajudaram. ‘Obrigado’ eu acredito ter dito, mas somente isso foi muito pouco! Hoje, não sei se estão vivas, nem mesmo alguns rostos ou lugares que viviam me recordo. Como reparar isso?
Eu rezo pela senhora da casinha no campo, pelo mecânico que me emprestou o macacão, pelo pai do amigo que nos transportou na caminhonete e pela dona da pensão – esta sim, sei que faleceu. Peço a Deus que tenham paz abundante assim na Terra como no Céu, mas ainda carrego um pouco de culpa por não lhes ter retribuído todo o bem que fizeram. Na época, por alguns meses sustentei o desejo de ir a Maria da Fé levar um presente ao mecânico, mas nem o macacão devolvi pessoalmente – seguiu pelo caminhão de leite.
Então, não somente eu, mas também você, leitor, temos que aproveitar todas as oportunidades para retribuir o amor que recebemos. Não podemos deixar os agradecimentos de cada dia para depois, porque novas oportunidades poderão não existir.
Amar como Jesus amou não é fácil, porém, amar como percebemos que somos amados por tanta gente é o mínimo que o mundo espera de nós. Há carinho suficiente emanando dos corações e não temos o direito de segurar isso conosco, sem retribuir. Faça também a sua parte para não se arrepender.