A principal carência é a do próprio apego à estrutura familiar do tipo pronome (minha mãe, meu pai, meu irmão, minha avó, etc.) que culmina no afastamento da estrutura familiar enquanto humanidade (meus irmãos seres humanos).
Em segundo lugar aparecem as manipulações emocionais e os abusos compensatórios, desde brindes a recompensas financeiras, em troca de conquistas, eventuais sonhos não realizados dos pais e não dos filhos, com as consequentes influências deformantes sobre o psiquismo em formação do jovem adulto.
Um desafio na educação moderna se esconde na polaridade adultificar x adulterar, extremos de uma mesma realidade. Formar ou deformar, linha tênue sobre a qual caminham professor e aluno, pais e filhos. Educar é educare e educere, e se um deles é colocar conhecimento para dentro, o outro é permitir que o conhecimento que já existe dentro venha à luz. Acho que é para algo assim que Paulo Freire chamava nossa atenção quando usava o termo educação bancária.
A dificuldade com limites, natural às crianças, indica a semente do potencial de coragem e superação que elas apresentarão quando adultas. Nessa medida é necessária maestria para formar sem deformar, nutrir sem engordar e amar sem mimar. O mimado é desgraça social, prejuízo para a família maior. Nunca entendi bem o porquê de muitos estudantes de outros países buscarem estudar em universidades distantes de sua família e cidade natal, e me pergunto se isso teria algo a ver com questões ligadas a antigos rituais de iniciação ou mesmo à tentativa de minimizar a influência da família pronome e maximizar a da família humana.
Arrisco a pensar que se os filhos pudessem ser rodiziados entre as diversas famílias da humanidade, chegaríamos a um ponto em que a sociedade se beneficiaria, visto que nos reconheceríamos então como uma grande e única família. Mas não, aquele pequeno pronome, “meu”, insiste em nos possuir… Bom seria se a “Cidade do sol”, proposta utópica de Campanella, onde os filhos são afastados de seus pais desde o nascimento, fosse de algum modo implementada, quem sabe?
Se o afastamento saudável é desejável, o afastamento extremado é tenebroso. Exemplo máximo é encontrado naquela redação, que já contei, da aluna do primeiro grau sobre o tema: “O que você gostaria de ser?” e que respondeu gostaria de ser uma televisão para disputar a atenção dos pais! Conheço pais, não poucos, que por serem ocupados demais sentem alívio quando seus filhos se transformam em telespectadores ao invés de leitores, escritores, questionadores ou apreciadores de música.
A imaginação é fundamental para a vida plena e deve ser cultivada. A imaginação ocorre de dentro para fora do ser. Quando incessantemente se recebem informações de fora para dentro, a imaginação da pessoa se cala, silencia e adormece em favor do que está sendo transmitido. Quando imaginamos, somos como um programa vivo em execução, pensamos e vivemos; quando somos “imaginados” ou estimulados com imagens, passamos a existir (as pedras também existem), deixamos o pensar (ser) em favor do ter pensamentos (ter). Mudamos nosso modo de operação, na linguagem de Erich Fromm, do modo ser para o modo ter. Faz-se fundamental então no silêncio interior perguntar:
“Sou um ser humano ou um ter humano?”.