A História da Arte, assim com letras maiúsculas, foi instituída como disciplina acadêmica apenas no final do século XIX. Mas podemos dizer que essa disciplina começou a se delinear bem antes, na Itália do século XVI, a partir da obra de um apadrinhado dos Médicis, o arquiteto e pintor Giorgio Vasari.
Vasari, considerado, portanto, o primeiro ‘historiador da arte’, viajou por toda a Itália em busca de informações sobre artistas que tinham vivido até três séculos antes do seu e de suas obras. Munido de cadernos de esboços e anotações, fazia desenhos do que via – pintura, arquitetura e escultura -, além de formar para si uma grande coleção de desenhos autógrafos que emoldurou e reuniu, formando vários livros, hoje dispersos. Assim, após cerca de dez anos de trabalho, publicou sua obra, intituladaAs vidas dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos florentinos de Cimabue até os nossos tempos,conhecida simplesmente pelo título reduzido:As vidas.
As vidas,assim, são uma compilação de biografias de artistas que inclui um elenco de suas obras, apresentadas com descrições sucintas. Artistas e obras: é essa também, em linhas gerais, a matéria primária da História da Arte que vamos tratar aqui.
Muito tempo depois de Vasari, um dos maiores historiadores da arte do século XX, o suíço Ernst Gombrich, afirmou, na ‘Introdução’ de suaA História da Arte¹, que não existe Arte, mas artistas. Essa afirmação, contudo, não parece inteiramente adequada. Porque não existe arte sem artista nem artista sem arte. É uma relação dialética: criador e criação são interdependentes; uma coisa não pode existir sem a outra. Assim, ou existe um sujeito reconhecido como ‘artista’, e o que ele produz é ‘arte’; ou existe um objeto previamente considerado ‘arte’ (por exemplo, uma máscara africana [fig.1] ou uma escultura pré-histórica [fig.2]), e aquele que o produziu é, a partir da obra e imediatamente, considerado ‘artista’. Portanto, a arte pode definir o artista e o artista pode definir a arte, mas o que não existe – e é relevante aqui – é artesem espectador, sem alguém que observe a obra, comente a obra, critique a obra e, assim, só assim, atribua a essa obra o valor de arte.
Vamos pensar na máscara africana ou na escultura pré-histórica que mencionei acima. Por que uma máscara vinculada a rituais religiosos ou uma escultura usada como uma espécie de amuleto em tempos pré-históricos seriam consideradas arte, se foram criadas com outras finalidades que não a da apreciação estética? O status de arte foi dado a essas peças com o correr do tempo, pelo espectador, fosse ele um crítico, um historiador ou um apreciador leigo: alguém um dia separou essas peças do seu ambiente original, retirou-as do meio cultural em que foram produzidas e, colocando-as numa coleção privada ou pública, ou num museu, ou simplesmente estudando e escrevendo sobre suas características, acabou por lhes atribuirsicas, atraibui-lhesre suas caracternjunto, do meio cultural em que foi produzida, e, colocando-a num museu, numa coleç sobre e um novo significado.
O que deve ser entendido é que o que se chama de ‘arte’ muitas vezes independe de características intrínsecas do objeto (ou seja, eu não consigo saber que é ‘arte’ apenas olhando para o objeto), que a definição do que seja ‘arte’ antes deve ser buscada na relação do objeto com o espectador, com a crítica, com a história… Que a ‘arte’ não nasceu nem mora num objeto que revela misteriosamente seu valor a apenas alguns iluminados… mas que a ‘arte’ vive nesse hiato da relação do espectador com o objeto. Cito aqui, a quem quiser discutir o tema da definição desse conceito, o excelente texto do crítico e historiador Jorge Coli intituladoO que é arte²,onde o autor nos diz que ‘arte’ é aquilo que um discurso autorizado e competente chama de arte, mas que se enriquece sobremaneira com o olhar e a sensibilidade do próprio espectador.
Então – vão me perguntar – como saber o que é ‘arte’ se o objeto que merece esse nome não traz uma etiqueta que confirme isso? Infelizmente, não há mágica para se saber. É preciso estudar para conhecer. O objeto não traz a etiqueta que o defina como ‘arte’, e ‘arte’, tampouco, é uma questão de gosto pessoal, de julgamentos subjetivos. É preciso conhecer tanto o objeto como o meio cultural (tempo e espaço) em que ele foi produzido. É preciso reunir esse conjunto de informações e colocá-lo em perspectiva, situá-lo na história, relativizando-o em função do nosso próprio tempo. É esse conjunto de informações que, somado ao olhar atento do observador, pode proporcionar a fruição completa de um objeto artístico. Daí uma das possibilidades de exploração dessa ‘ciência’ chamada História da Arte: ciência que eu pretendo começar a apresentar neste espaço.
¹ GOMBRICH, Ernst.A história da arte.Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
² COLI, Jorge.O que é arte.Coleção Primeiros Passos.São Paulo: Brasiliense, 1981.