Fiquei muito emocionada ao saber que uma amiga, passando por um momento difícil, chorando muito, completamente desesperada, foi socorrida por uma vizinha que deixou a casa, a pia cheia, o tanque cheio de roupas, deixou os próprios problemas e foi tentar amenizar o sofrimento da vizinha. Bendita essa mulher que tirou a angústia da amiga, sem se incomodar com o perigo dos tempos de isolamento. Devemos ser cuidadosos, mas não podemos faltar com a caridade. Abençoada essa vizinha que deixou sua vida de lado por algumas horas para socorrer o próximo. É solidariedade.
Isso me transportou para outra cena que até hoje me enche o coração de ternura. Meu pai faleceu há dezoito anos. Entre suas recomendações coladas atrás da porta de seu armário estavam: “em caso de minha morte … “, e aí vinham instruções para as coisas práticas que todos também devemos fazer, mesmo porque ninguém por aqui há de ficar para sempre. Depois vinham os pedidos do coração: “quero ser velado na casa de meus pais, em Pedralva, e enterrado no túmulo deles.”
Obviamente esse dia chegou. Como ele morreu à noite, foi levado no carro da funerária para Pedralva. Dois irmãos, minha cunhada Bel e minha prima Inácia acompanharam o carro da funerária até a casa de meu tio, anteriormente a casa da Vovó Mulata e Vovô Zeca. Ficamos eu e outros irmãos para irmos no dia seguinte cedinho com minha mãe. Antes que fôssemos eu passei casa por casa de nossos bons vizinhos, que já sabiam da morte, mas eu precisava avisar que o velório e sepultamento seriam em Pedralva. Ficaram consternados, pois, certamente gostariam de se despedir do papai. Tantos anos nós vizinhos ali passamos por tanta coisa juntos.
E lá fomos num frio gelado de junho para Pedralva. Lá pelas tantas, estaciona uma perua dessas de vários bancos em frente à casa da vovó. E surpresa, vejo o Seu Genésio Rivoli, abrindo a porta. E aí sai a Dona Nilza, e sai a Dona Lígia, a Dona Irene e a Dona Luzia e vêm dar o último adeus ao papai e abraçar a mamãe. Aquela cena e aquele momento eu levo sempre dentro do meu coração. E agora, aqui, gente, eu peço licença para deixar o computador e ir desembaçar meus olhos. Vou chorar um pouco e já volto.
E sempre fiquei me perguntando como teria se passado aquela combinação entre as vizinhas para irem à Pedralva, que não é longe, mas não importa, importa o gesto de carinho. O Seu Genésio tinha essa perua, ou seria do querido Edson, homem tão bom, tão bom como ele só. Ou foi o próprio Edson que estava dirigindo. Não, foi Seu Genésio. Imagino a Dona Nilza no portão da Dona Lígia, chamando as vizinhas e combinando a hora. As outras queridas vizinhas não puderam ir, mandaram abraços.
Isso é solidariedade, isso é vizinhança, isso é amor! A vida mudou, as casas e os quintais são raros, mas ainda existem. Só que os muros são tão altos que não dá pra uma vizinha chegar na cerca e chamar: Oh Zezé, pega aqui um espinafre cozido com molho branco que eu trouxe. E eu própria provei e achei um manjar dos deuses este espinafre que a Dona Nilza levou. Se eu tivesse netos, estaria agora contando para eles como era a vida de antigamente.
Bom, depois de tantos anos, deixo aqui registrado minha eterna gratidão à D.Nilza, à D. Luzia, D. Ligia, que também já partiu, e à D.Irene. A vida passa, mas esses gestos irão para o Céu, são eternos.
Não são planos mirabolantes que salvam o mundo. É o amor. É a solidariedade.