Quando eu tinha 13 anos e morava em São Paulo, comecei a frequentar um curso de datilografia no Colégio Nossa Senhora Consolata. A instrutora era a mesma que ministrou aulas ao meu tio Nenê há 20 anos! Já meio de idade e sempre sisuda, a irmã de caridade era extremamente exigente.
Lembro-me que, para concluir o curso, passávamos por 50 lições e um teste de desempenho final, quando se cronometrava o tempo para digitar um texto. Guardo na memória as dezenas de vezes que um aluno se levantava, ia mostrar a lição datilografada à irmã e voltava com uma folha em branco para refazer. Isso também aconteceu comigo e, principalmente quando elaborava alguma tabela trabalhosa, era desanimador repetir a tarefa.
Quando alguém se diplomava, ia à frente e recebia o certificado sob aplausos dos colegas. No dia em que fui receber o meu, a irmã disse algo que quase me matou de susto! Com sotaque italiano, falou mais ou menos assim: ‘O Labegalini foi o melhor aluno que passou por aqui’. E começou a chorar! Fiquei todo desconcertado, sem entender nada, pois nunca havia conversado outros assuntos com ela e muito menos poderia imaginar que se simpatizava comigo!
Também recordo que passei alguns dias encucado e contava às pessoas em busca de alguma explicação. Uns levaram na brincadeira, outros devem ter achado que menti, mas hoje tenho a resposta: ‘Fui um aluno especial na vida daquela professora de datilografia!’ Após tantos anos de hábito, sentada numa cadeira e esperando alguém lhe apresentar a lição pronta para corrigir, percebeu que finalmente havia chegado alguém que justificou sua perseverança em ensinar.
Sei que todos têm histórias como esta para contar, afinal, quem já não cativou ou encantou alguém? Deus nos fez criaturas muito especiais! Cada um é diferente do outro e ninguém pode ser substituído em determinadas situações. É claro que me refiro às atitudes de amor, porque, no pecado, as maldades são mais fáceis de imitar.
Santo Agostinho, doutor da Igreja que morreu no ano 430, comentando sobre o capítulo 21 do Evangelho de São João, escreveu:
“O Senhor pergunta a Pedro se ele o ama, coisa que já sabia; e pergunta-lhe nã uma vez mas duas e mesmo três. E, de cada vez, Pedro responde que o ama; e, de cada vez, Jesus lhe confia o cuidado de apascentar as suas ovelhas.
Torna-se evidente que aqueles que se ocupam das ovelhas de Cristo, com a intenção de fazer delas ovelhas suas mais do que de Cristo, têm para com elas um afeto maior do que o que experimentam para com Cristo. É o desejo da glória, do poder e do proveito que os conduz e não o amoroso desejo de obedecer, de socorrer e de agradar a Deus.
Com efeito, que significam estas palavras: ‘Amas-me? Apascenta as minhas ovelhas’? É como se dissesse: Se me amas, não te ocupes de ti mesmo mas das minhas ovelhas; olha-as não como tuas mas como minhas; nelas, procura a minha glória e não a tua, o meu poder e não o teu, os meus interesses e não os teus. Não nos preocupemos, pois, conosco mesmos; amemos o Senhor e, ocupando-nos das suas ovelhas, procuremos o interesse do Senhor sem nos inquietarmos com o nosso.”
Pois é, se fomos criados com imenso amor e somos especiais aos olhos de Deus, precisamos justificar nossa existência cumprindo fielmente a missão de irmãos em Cristo. Uma das maneiras de nos lembrarmos dessa responsabilidade é recordar o quanto somos abençoados, como relata esta história:
Sonhei que fui ao Céu e um anjo mostrava as diversas áreas lá existentes, dizendo:
– Esta é a área de embalagem e entrega. Aqui, as graças e bênçãos solicitadas são processadas e enviadas às pessoas que as pediram.
Notei que todos estavam muito ocupados, tal era a quantidade de bênçãos que deveriam ser encaminhadas.
– Esta é a seção de reconhecimento – falou o anfitrião, mostrando poucos anjinhos à sua frente. – É tão triste! As pessoas recebem as bênçãos que pediram, porém quase ninguém envia confirmação de reconhecimento. Bastaria dizer: ‘Grato, Senhor!’
– E quais bênçãos devem ser reconhecidas? – perguntei.
– Se tem alimento em sua geladeira, roupas no corpo e um lugar para dormir, você é mais rico que 75% dos moradores deste mundo! Se tem dinheiro no banco e algumas moedas sobrando em casa, você está entre os 8% mais bem-sucedidos do planeta! Se tiver seu próprio computador, você é parte de 1% que tem essa oportunidade.
E continuou:
– Se acordou hoje com mais saúde que doença, é mais abençoado que os muitos que nem sequer sobreviverão a este dia. Se nunca experimentou o temor da batalha, a solidão da prisão, a agonia da tortura, nem as dores de sofrimento, está à frente de 700 milhões de pessoas!
Comecei a ver como eu sou abençoado, mas o anjo completou:
– Se pode ir a uma igreja sem o temor de ser preso e torturado, é invejado por mais de três bilhões de pessoas, que não podem reunir-se com outros de sua fé. Se teus pais estão vivos e casados, é uma raridade! Se pode sorrir, você é um exemplo a tantos que estão em desespero.
Então, acordei, percebi o quanto sou especial nesse mundo e, imediatamente, enviei ao Departamento Divino de Reconhecimento a seguinte mensagem: ‘Obrigado, Senhor!’
Ø Paulo R. Labegalini
Cursilhista e Ovisista. Vicentino em Itajubá. Engenheiro civil e professor doutor do Instituto Federal Sul de Minas (Pouso Alegre – MG).