“Mestre! Mestre! Perecemos!”
(Lucas, cap. III; v.24)
Certo dia, Jesus, em companhia de seus discípulos, dirigiu-se a bordo de um barco que se encontrava atracado no porto e, fixando demoradamente os olhos serenos no horizonte, disse-lhes:“Passemos à outra margem!”Seus discípulos prontamente atenderam à determinação do Mestre, e partiram.
O tempo estava bom, céu claro, propício à longa travessia. Iniciaram a viagem em águas calmas, tranqüilas, ventos brandos, faziam-se acompanhar por um cortejo de pássaros marinhos, na expectativa de conseguirem uma migalha.
Enquanto assim navegavam, Jesus, acomodando-se em determinado ponto da embarcação, que não oferecia o mínimo de conforto, mesmo assim, deitou-se e adormeceu profundamente. Em meio à viagem, porém, o tempo começou a mudar e, inesperadamente, sobreveio uma grande tempestade. Ventos muito fortes. O mar tornou-se revolto. Grandes vagas com a fúria do temporal chegavam mesmo a cobrir o barco, que jogava violentamente ameaçando-lhes a segurança.
Os discípulos, assustados com o mau tempo, que subitamente se fizera, temerosos e aflitos achegaram-se a Jesus, e ansiosamente trataram de despertá-lo, dizendo:“Mestre! Mestre! Acorda! Acorda Senhor! Pois estamos prestes a perecer!”O Mestre, então, calmamente abriu os olhos, e com a serenidade própria dos grandes líderes, perguntou-lhes:“Onde está a vossa fé?”E levantando-se, despreocupadamente, repreendeu com autoridade o vento e a fúria das águas:“O mar acalma-te! O vento cala-te!”Imediatamente cessaram seus rumores e fez-se uma grande bonança.
Temerosos, mas, ao mesmo tempo maravilhados os discípulos questionavam entre si:“Quem é este, que até aos ventos e às águas ordena e lhe obedecem?”
Há ocasiões em que a nossa vida assemelha-se a um vasto oceano, onde todos nós, viajores cósmicos do tempo, adentramos a pequenas e frágeis embarcações biológicas, para fazermos a perigosa travessia no mar de nossas existências. Algumas vezes nossa viagem transcorre em águas calmas, tranqüilas, costuma-se dizer; em mar de almirante. De outras vezes, de modo incerto, conturbado, com rumos duvidosos, mal traçados pela nossa inexperiência e teimosia, causando-nos o desconforto e desencontros variados. Além disso, há certos trechos de nossa viagem, verdadeiramente críticos, em que o mar, adverso, parece feito só de tormentas.
Os ventos do desespero sopram impiedosamente sobre nós. O oceano torna-se revolto. Suas grandes vagas ameaçadoras lançam-se sobre nós, causando-nos a desalentadora impressão de que não há esperanças. A única alternativa que parece nos restar é a de que estamos na iminência de perecer. O pânico e a incerteza, impassíveis, se apossam de nós.
Nesses momentos difíceis de nossa jornada, lembremo-nos dos discípulos de Jesus e, a exemplo deles, acordemos o Cristo que dorme dentro de nós! Sim, acordemos o Cristo que dorme dentro de nós. Porém com fé, com convicção, confiemos nele incondicionalmente.
Não há tempestade, não há dor, nem há dificuldades em nossas vidas, que o Cristo de Deus, ordenando que se acalmem sua vontade soberana não se cumpra. Mas não nos esqueçamos de que, se ele dorme dentro de nós, cabe-nos a iniciativa e o esforço pessoal de acordá-lo. Sem protocolos, nem fórmulas especiais, sem duvidar.
Por mais desfavorável que esteja o tempo, infestado de nuvens negras, que os ventos soprem forte, uivantes, ameaçadores, que o mar seja uma temeridade no oceano de nossas vidas, nossa travessia será sempre mais calma, mais segura, se mantivermos o Cristo acordado, amorável e sereno dentro de nós, a expressar-se ostensivamente, em cada um dos nossos gestos, a revelar-se em nossas atitudes cristãs que sempre e sempre se renovam à luz do Evangelho.