“Hoje vou falar sobre minha dor e do quão solitária ela é.
Pensei muito antes de escrever. Está muito difícil, mas eu preciso falar. Preciso desabafar. Gostaria que você me desse ouvidos. Se não, esse monstro vai continuar a me corroer por dentro.
Moro no Grajaú, Rio de Janeiro. Sou médica há 10 anos. Tenho um filho pequeno, maravilhoso. Na rua onde moro existe uma casa, que fica ao lado do Corpo de Bombeiros. Nessa casa, fazem “Festas de Corona” todos os dias e todas as noites. Sim, durante o dia também. Som altíssimo, ensurdecedor, por 3 dias seguidos. […] No sábado, teria um plantão à noite e havia trabalhado no dia anterior todo. Na linha de frente do Covid. Trabalho pesado, exaustivo. Precisava dormir um pouco de tarde para assumir meu plantão noturno.
E a festa continuava.
Decidi descer e acabar com aquilo. Tomar uma atitude qualquer. Eu, do alto dos meus 1,50m e 46kg, pedi para que parassem a festa (estava lotadíssima, claro que isso nunca aconteceria). Então, num ato de exaustão e desespero, quebrei o retrovisor e trinquei o para-brisas de um dos carros parados irregularmente na calçada, de um dos frequentadores da festa. […] Foi errado. Foi impensado. Foi estúpido. Mas sou humana e fiz uma besteira contra um bem material de outra pessoa. Não foi um ato contra nenhum outro ser humano, isso eu sou incapaz de fazer.
5 marmanjos (me lembro de uns 5) saíram, e não estavam para conversa. Apavorada, vi o potencial da besteira que fiz e saí correndo.
Me agarraram em frente ao Hospital Italiano. Me enforcaram até desmaiar. Me jogaram no chão e me chutaram. Quando retornei à consciência, gritava por socorro! Isso aconteceu no dia 30 de maio por volta de 17h, em plena luz do dia. […]”
Essas palavras são de Ticy Azambuja, pessoa comum, habitante de um prédio no Rio de Janeiro, ao lado de uma unidade do Corpo de Bombeiros no Grajaú. (Revista Isto É, Edição Nº 2629 29/05)
Ninguém a ajudou: nem os vizinhos, ninguém dos carros que passava.Duas senhoras idosas que passavam gritaram aos agressores: “Isso, mata ela!”. Nenhum soldado do Corpo de Bombeiros ao lado, nenhuma viatura policial apareceu. Depois se verificou que o organizador das festas clandestinas era policial.
Preciso concluir a coluna com as minhas reflexões, ou deixo a conclusão para os leitores?
Só sei que hoje estou arrasada…