Estávamos todos em volta dela, as crianças inclusive.
Ela começou a morrer por volta do meio dia, quando os sinais vitais como pulso, pressão, temperatura, etc, “endoidaram”. Permaneceu cerca de duas horas preparando a própria partida. Sem angústia, sem dor, aparentemente sem nenhum desconforto foi respirando cada vez mais de leve, até dar um suspiro entrecortado e não mais respirar.
Partiu como chegou e como sempre viveu: discreta, elegante, silenciosa, muito amada.
Até quando ainda tinha consciência, o seu olhar se demorava no rosto das pessoas e com a mão esquerda, que tinha movimento, com frequência acariciava as pessoas à sua volta. As cuidadoras contavam de gestos muito meigos dela, e sorrisos muitas vezes.
Presa a uma cama, sem poder falar, completamente dependente para as menores necessidades, ela ainda assim cuidava de todos nós, assegurando-nos que estava bem dentro das suas precariedades.
Essa sempre foi a mamãe: aquela que secava as lágrimas, que encorajava, que devolvia a esperança quando ela se perdia de alguém, que ensinava muito mais do que apenas aos alunos. Assim ela fez até na morte.
Qualquer perda é sempre dolorosa; perder aqueles a quem amamos nos deixa perplexos, frágeis, vulneráveis e sem rumo, às vezes por muito tempo. Mas perder a mãe é assim como perder o chão, a própria referência, a noção de pertencimento…
Quando Deus inventou a forma pela qual nascemos, determinou que uma mãe construísse o seu filho com a matéria do seu próprio corpo, sangue, ossos e músculos, que compartilhasse a sua alma com o filho até que ele pudesse usar a sua própria, que ela sentisse junto com o filho todas as emoções, as boas e as más que o mundo provoca.
Assim sendo, carregamos a mãe não só na alma, no coração ou na lembrança; carregamos a nossa mãe bem dentro de todas as células do nosso corpo.
Talvez seja por isso que a sensação de “arrancamento” seja devastadora…