Aqui o tempo passa velozmente e assim, já vai para um ano que não convivemos mais com você. Não sei como é o tempo aí, ninguém sabe. Acredito na vida eterna, mas sinceramente não acredito que você vá ler esta carta, pois as coisas no Céu certamente não se passam como aqui. Escrevo literariamente, poeticamente, pois na literatura podemos criar mundos, vidas e histórias de acordo com nosso desejo e construir o fim que queremos, ou melhor, podemos construir histórias encantadas sem fim. Escrevo pelo incorrigível hábito de fingir que é possível que você possa ler uma carta minha. Você sabe que esta pretensa ilusão é apenas produto de minha limitada capacidade humana que me faz viver apegada a todos a quem amo tanto, os que ainda estão aqui e os que já se foram. Nossos queridos se vão como iremos nós, mas eles continuam vivendo em nossos corações, fazendo parte de nossa vida diária.
Dizia um grande amigo meu, ateu convicto, que não existe vida eterna. Afirmava que as pessoas permanecem eternas em nossa memória afetuosa pelas coisas que costumavam dizer e da maneira como diziam. É fato, isso acontece. Assim permaneceriam eternos meu pai e minha mãe pelos seus adjetivos preferidos que passaram a ser nossos também. E não é que é tão bom dizer que uma coisa é “superior” ou “formidável”, tipo um sorvete, ou uma torta só porque meu pai assim dizia? Ou que tal pessoa é “extraordinária” como enfatizava minha mãe? E aí rimos muito com muito carinho quando empregamos as expressões da mamãe: “fulana ficou chaleirando sicrana”, ou “fulano passou um respe em beltrano”. Mas não pode ser só isso. Não, definitivamente não acredito apenas em adjetivos eternos, acredito em vidas eternas.
E como a morte faz parte da vida quer queiramos ou não, sobre ela já foi escrita uma infindável e vasta literatura. Todos os filósofos, escritores, poetas, estudiosos, religiosos já falaram e falam sobre a morte. Até as pessoas mais simples filosofam sobre ela de maneira acertadíssima, como fazia certa pessoa querida quando dizia: “vai quem vai, feijão no fogo pra quem fica”. Quer maior verdade? E lá se apressava ela indo para o fogão alimentar os familiares com os corações feridos, narizes fungando e olhos vermelhos. É. A vida continua. É doloroso, mas a vida continua. Há os que tentam amenizar ou suavizar a morte, como dizia Montaigne: “Em vez de dizer, morreu, dizem: ela cessou de viver; ela viveu”. Mas por ocasião da morte de meu pai, entre lágrimas, eu fiz questão de dizer, talvez pela dor, por revolta ou saudade: papai não faleceu e foi sepultado, ele morreu e foi enterrado, assim impingia a mim mesma um sofrimento que eu julgava merecido. A morte sempre será um silêncio abissal.
Minha querida amiga, falar em saudades suas é chover no molhado. Estamos todos bem, estão todos bem, na medida do possível. Nossas Cimeiras do Café da Ciça nunca mais foram as mesmas e nem serão, mas continuam com aquelas indefectíveis poses para fotos, e haja gentileza da nossa adorável caçulinha Gigi! Parecemos “As alegres comadres de Windsor” com todas falando ao mesmo tempo. Até hoje as meninas não acreditam que eu que faço o bolo, dizem que é “o bolo do Motta”. Paciência. E de vez em quando alguém grita: “deixa eu falar”! Eu continuo dançando o “Boneco de Olinda”, sempre me lembrando de quando você insistia rindo sem fôlego: “Misa, faz de novo o Boneco de Olinda”. Seu riso permanece entre nós, bem como sua alegria, sua presença marcante para sempre insubstituível.
Tenho ido visitar sua mãe que sempre me recebe com a mesma gentileza inigualável, e conversamos sobre tudo, como quando você ainda estava aqui. Ela me diz sempre que “Deus é soberano”. Nossos laços ficaram mais fortes e mais amorosos. Quando trocamos abraços ela costuma me segredar que precisa me abraçar forte para sentir o seu gostinho em mim e eu digo o mesmo para ela. Há muitas outras coisas a dizer, amiga querida, mas meu coração já começa a chorar. Eu sei, eu sei, o Céu não podia esperar.
Com amor
Misa