Bem, primeiro vou ao banco, transferências, pagamentos inadiáveis, sacar alguma grana. Depois academia, saco! Odeio! Se alguém inventar algo que apresente resultados ótimos apenas em cinco minutos me fale que vou atrás. No banco ainda vazio pelo horário já achei uma máquina desocupada, que ótimo. Vamos, introduzo o cartão e lá vem uma mensagem: erro na identificação do cartão. Começo de novo: erro na identificação do cartão. Massageio o cartão na roupa para ver se resolve. Beleza! Primeiro vou de transferência para outro banco, vou cumprindo todos os passos, acabo. Vamos à fase da digital: erro na biometria, tento de novo, erro na biometria. A máquina volta ao ponto inicial, tudo de novo, erro na identificação do cartão, erro na biometria. Mudo de máquina duas vezes. Faço tudo vagarosamente, gentilmente até que enfim consigo. Mas neste meio tempo, penso, não vou à academia hoje não. É muito estresse, levantar mais cedo, banco, supermercado, academia, e olhe que já sou aposentada. Mas já faltei dois dias na bendita academia que já comecei e parei trezentas vezes. Vou sim. Fui. Supermercado e enfim, casa. Preciso fazer o que gosto, o que me dá prazer. Digito estas mal traçadas linhas por puro prazer. Registro o meu estranhamento com este mundo em que vivo, neste tempo louco de tantas mensagens digitais. Ontem mesmo falávamos, eu e Debora, sobre os escritores de antigamente em suas vidas tranquilas. Que mundo é este, eu me pergunto, com tantas motos barulhentas, com facebook, twitter, instagram e o diabo a quatro. Não dou conta.
O mundo passou tanto tempo com tão pouca tecnologia, tanto tempo sem barulhos infernais, para mudar tão de repente. Digo de repente porque faz mais ou menos quarenta anos que eu fui a trabalhar no BB, e ainda existiam fichas gráficas, vocês sabem o que é isso? Quando o cliente vinha ao caixa para verificar seu saldo, procurávamos a ficha com seu nome em ordem alfabética. Juro! Eu fiz isso. Tá bom, eu envelheci, mas quarenta anos significam pouquíssimo tempo para mudanças tão drásticas. O mundo mudou em quarenta anos o que não mudou em quatrocentos anos. Foram séculos de passadas lentas para voos inacreditáveis e eu peguei esta mudança de cheio aqui em minha vidinha. Eu já era quase mocinha quando a pílula anticoncepcional foi inventada. Mas não vamos falar de invenções sofisticadas. Falemos das mais simples como a maionese industrializada e um desses SBPs matadores de baratas. Minha mãe ficou encantada! Em Pedralva, final dos anos 60, ela, a princípio, meio cética, espirrou um pouco do veneno debaixo da escada que conduzia ao segundo andar. No dia seguinte ela contou mais de trinta ou cinquenta baratas mortas. Antes essas baratas eram mortas em verdadeiras batalhas medievais travadas corpo a corpo.
Então, voltando à tecnologia, a adaptação das pessoas de minha geração a novos meios de informação, de contato, de conceitos, foi muito sofrida. No tapa tivemos que aprender a viver com um pé no pacato mundo de nossos pais e o outro neste estranho mundo em que vivemos. Às vezes isto me cansa e às vezes me encanta por eu ser uma das protagonistas nesta transição maluca. Confesso que vivi!
Aposentada, Misa descobriu o prazer da literatura e passou a escrever contos e crônicas. É formada em Letras pela FEPI Centro Universitário e pós-graduada em Literatura pela Unitau. Escreveu e publicou os livros:Demência, o resgate da ternura (autobiográfico) /Santas mentiras (Crônicas) /Dois anjos e uma menina (infantil) /Estranho espelho e outros contos, além da coluna “Verbo Inverso“.