Eu já escrevi sobre ela, a Barbra. Ela gostava muito de escrever, e eu percebi isso com as provas abertas onde os seus textos eram pura poesia.
Um dia ela me disse que encontrou nos seus guardados o texto abaixo. Um professor no colegial propôs o título, e ela não se fez de rogada.
“Todo mundo tem um dom. Qual é o seu?
Não sei contar piadas, nem guardar segredos. Não lido bem com a derrota, nem com a tabuada. Não consigo dizer o que sinto e mal me entendo com o computador. Nunca escrevi um livro. Nunca dei a volta ao mundo. Nunca soube aconselhar. Poucas vezes alcancei o primeiro lugar. Nunca fiz um gol de placa, nem ganhei um prêmio Nobel. Não tenho meu nome num livro, nem meu rosto num outdoor. Não sei ver as horas pela posição do sol e nunca aprendi a tricotar. Não sei de nada sobre arte, escultura, culinária, medicina, leis, amor, poesia. Não sei voar, nem me maquiar. Não posso imaginar até onde vou conseguir chegar. Talvez o meu maior dom seja o de poder admitir o que não sei e, com isso, sempre deixar transparecer quem eu sou.”
Isto me deu o que pensar…
De repente me vi a pensar, como ela, no que não sei fazer, ou não faço bem, ou nem mesmo tive a chance de aprender.
É claro que, como muitos anos nos separam, muito do que ela ainda não sabe, eu já fiz. Já escrevi livros (nenhum ainda me indicou ao Nobel, mas ainda há tempo), quase dei a volta ao mundo (sagitariano adora viajar), sempre fui aluna de primeiro lugar (filho único se diverte com o que acha pela frente), já tive um relógio de sol no sítio (como é difícil achar quem saiba fazer um), dou meus pulinhos na cozinha (agora estou dedicada a dominar a arte de abaixar o fogo de fogão de lenha, que não tem botão), tricotar eu aprendi mas me dá alergia (desde pequena não suporto calor), poesia eu gosto de escrever só quando estou triste (a Academia Itajubense de Letras já teve a coragem de me publicar), sobre maquiagem, um dia vou aprender.
Sobre medicina… bem… passei a vida quase toda me esforçando por aprender. Continuo no esforço dia após dia, doente após doente, dor após dor, morte após morte…
Enquanto isso vou me dando conta de algumas coisas curiosas: aprendo sobre a vida com a morte, sobre o amor com o sofrimento, sobre a alegria com a tristeza, quem diria…
Mas a Barbra, menina ainda, é muito sábia e me ensina sobre a humildade quando diz que seu maior dom é a coragem de dizer que não sabe.
Vou repetir, como ela: “Que bom ter muito ainda prá aprender!”
*Dra. Graça Mota Figueiredo: Professora Adjunta de Tanatologia e Cuidados Paliativos. Faculdade de Medicina de Itajubá – MG