Como ela está muito bem medicada, muito bem amparada pela família, não sofre nenhum desconforto grave.
É claro que tanto ela quanto a família têm que se haver com a aproximação da morte, que nunca é desejada; pode ser aceita com resignação, pode ser tolerada como um alívio, pode até mesmo ser aguardada como libertação, mas nunca é desejada como se deseja a chegada de um amigo!
Pena, porque a passagem pela morte não é a dissolução no nada…
A maioria de nós crê firmemente que a morte é um Portal, uma passagem para outro estado, e com frequência acreditamos que para um estágio superior de sabedoria e crescimento espiritual. Nenhum de nós pode provar esta crença, mas ela é firmemente arraigada em nós.
Esta paciente é uma pessoa bastante espiritualizada mas, acima de tudo, mantém o senso de humor preservado, ao que parece.
Pois nesse momento ela diz ao Marco, com um arzinho brejeiro, quase coquete:
“Pois é, Dr. Marco, não é que a minha mãe anda passeando pelos meus sonhos, me chamando insistentemente, me dizendo que está na hora, que eu vá com ela sem medo?”
Marco, que sabe muito bem reconhecer os sinais da partida que, com frequência se anuncia de maneira suave quando o doente está confortável, se prepara para uma conversa tocante onde as disposições finais, as “confissões” do doente assumem um caráter quase sagrado, ritualístico…
E ela continua:
Então, mas já escrevi prá ela (e mostra o bilhete na mesa de cabeceira) dizendo que se eu fosse ela, ia esperar sentada; ainda não tenho a menor vontade de conhecer a casa dela. A minha mesmo está ótima, inda mais agora que o jardim floriu com vontade!”
Ela e a filha, presença constante no quarto, riem deliciosamente, e Marco se vê rindo com elas.
Intrigado, pergunta porque é preciso o bilhete; ela se encontra no sonho com a mãe… Ela mesma não pode dizer à mãe que ainda não quer ir?
E ela, rindo ainda, responde:
“Ah, mas o senhor não conheceu a minha mãe! Quando ela punha uma idéia na cabeça, nem Deus tirava essa idéia de lá… Era baixinha, o senhor sabe como são os baixinhos…”
E Marco me diz que, neste momento, só lhe coube responder:
“Sei, sim; eu tenho um metro e meio de determinação em casa…”
Diz ele que esta sou eu.