O mundo é o que você come, profere a jornalista americana Barbara Kingsolver – ela que, vitimada por aquela síndrome pós-moderna das criaturas que preferem se alimentar do que comer, decidiu instalar em família (marido e duas filhas) uma utopia alimentar com lugar marcado. Mudou-se para uma propriedade rural aos pés dos Apalaches – onde passou, entre pratos de alcachofra, cookies de abóbora e galinhas depenadas com as mãos, a cuidar, ainda que no limitado espaço da copa e cozinha, da combalida saúde de todo o planeta.
No seu manifesto ecologicamente correto (O Mundo É o Que Você Come, Editora Nova Fronteira, 480 págs., R$ 45), Mrs. Kingsolver perfila os suspeitos usuais – os agrotóxicos, o hambúrguer, os refrigerantes, as batatas chips, “a cultura do supermercado” – e celebra a alegria das lasanhas de espinafre e das tortas de amora à moda da vovó. Já o silêncio acerca do foie gras, dos boudins, dos rognons e das andouilettes – que fazem a delícia deste colunista – é mais do que expressivo.
Comer – Mrs. Kingsolver tem razão – diz muito de alguém e é bastante emblemático que o Brasil, ao interagir gastronomicamente com o estrangeiro, o tenha feito, a primeira vez, na forma do rito sacrificial do canibalismo. Desde a descoberta a gente já tinha muita fome. Se Hans Staden safou-se para contar a história, o bispo Sardinha não teve a mesma sorte.
Políticos têm, de várias maneiras, tanto apetite quanto os nativos, mas, se o menu é o homem, está na cara que o delicado Geraldinho Alckmin, candidato a prefeito de São Paulo, não vai longe. Embora se esforce no pastel de padaria, reza a lenda que gosta mesmo é de, ao fim de uma penosa jornada eleitoral, provar da sopinha que sua Lu extremosamente lhe reserva.
Paulo Maluf é o maior freguês das maioneses de campanha, tanto que, mesmo sem o élan de outrora e ante o enfado dos eleitores, inclusive os seus, está aí de novo se empanturrando da comilança alheia. Maluf devia abrir linha direta de conversação com outro glutão notório, o roliço Ronaldo, ex-Fenômeno. Atleta com sua pança de barítono, Ronaldo está se reservando para as competições de halterofilismo e de lançamento de martelo.
Lula sempre travou embates notáveis contra a balança, mas quem anda com uma voracidade de fazer gosto é o ministro Gilmar Mendes, do STF. Nem o Biotônico Fontoura explica que um membro do Judiciário queira devorar tanto. O neo-Pantagruel de toga preside, legisla, fiscaliza, executa, manda e desmanda. A única coisa pela qual a Justiça não se interessa, em seu surto rabelaisiano, é em fazer Justiça.
José Serra tem, como nota um chef de cuisine amigo da coluna, silhueta e malícia de Cardeal Mazzarino, mas seu paladar é incompatível com aquelas régias ceias purpuradas, recendendo a perdizes e a licores. O governador de São Paulo adotou um rígido jejum – tanto na mesa quanto nas obras. Mas é sempre bom, após um encontro com Serra, checar o pescoço para ver se não apareceram dois misteriosos buraquinhos na altura da jugular.
Fonte: Carta Capital