Entre os dias 21 e 26 de novembro deste ano, tive a oportunidade de vivenciar o cotidiano dos nepaleses e apresento aqui algumas experiências vivenciadas. Portanto, esse texto será um pouquinho diferente dos outros que escrevo para os leitores dessa mídia; ao invés de ser um texto puramente com informações científicas sobre o sentido da palavra “atmosfera”, indicado no título dessa matéria, também abordarei o sentido figurado da palavra.
O país Nepal se localiza no Hemisfério Norte e a uma distância de aproximadamente 15 mil quilômetros de Itajubá. Para chegar na capital Kathmandu, a minha jornada começou com um deslocamento de quatro horas para o aeroporto de Guarulhos em São Paulo, depois um vôo com duração de 14 horas para a cidade de Doha no Catar, a atual sede da copa do mundo, uma escala de 2 horas e mais um vôo de 6 horas de Doha para Kathmandu. Para finalizar, um percurso de 30 minutos até o hotel em que me hospedei. Esse hotel foi o que sediou o evento científico de que participei. Minha visita ao Nepal esteve atrelada a um projeto sobre mudanças climáticas coordenado por um grupo de pesquisadores do Paquistão ao qual contribuo no desenvolvimento de pesquisas. Minha tarefa foi ministrar um minicurso sobre o que é o sistema climático e noções básicas de modelagem climática.
Considerando o sentido próprio da palavra atmosfera, essa significa uma camada de gases e aerossóis (como poeira, pólen, fuligem etc.) em suspensão e que envolve todo o planeta como uma capa gigante. Se você é um morador do interior (não dos grandes centros urbanos), poderá enxergar o horizonte e o céu com facilidade já que o ar é limpo. Em São Paulo, isso já é mais difícil, pois há muitos gases e materiais em suspensão na atmosfera, causando poluição e redução da visibilidade. Pense na situação de São Paulo, mas bem pior, esse é o cenário da atmosfera em Kathmandu e cidades vizinhas. O ar é poluído e pode gerar cansaço às pessoas que não estão acostumadas com tanta poluição (Figura 1). Essa atmosfera densa é em parte causada pela queima de combustíveis fósseis pelos veículos, principalmente da frota exorbitante de motos, e também pela poeira em suspensão durante os meses mais secos da região. O clima no Nepal é similar ao nosso do sudeste do Brasil, com um período chuvoso e outro seco bem distintos. Aliás, o leitor deve se lembrar das notícias da mídia sobre a monção asiática, pois bem, é essa diferença entre duas estações distintas em termos de chuva a que se atribui o nome monção.
Bom, agora chegou a vez da discussão do sentido figurado da palavra atmosfera. Eu não sigo nenhuma crença, mas a atmosfera do Nepal (nesse caso o envolvimento com o local) faz com que tenhamos alguns sentimentos inexplicáveis. Os nepaleses cultuam mais de 3 bilhões de deuses; sim, não errei na escrita, são 3 bilhões mesmo. Nem eles conhecem todos os deuses, só sabem dizer que há um deus para cada finalidade: um deus para os estudos, para a saúde, para a felicidade, para o amor, e assim vai.
As cidades são uma mistura do moderno com o antigo. O moderno a que quero me referir não é o bom, mas remete às nossas comunidades periféricas dos grandes centros urbanos, pois as residências são rudimentares, nota-se que não há um plano para organização urbana e nem de trânsito (Figura 2). Praticamente não há semáforos e nem faixa de pedestres. Para atravessar as ruas e grandes avenidas, as pessoas simplesmente se colocam na frente dos veículos e isso leva a uma grande poluição sonora, pois as buzinas são incessantes. No primeiro dia da minha estada, me senti totalmente apavorada que não consegui ficar mais de 2 horas fora do hotel. Embora com todo esse caos urbano, não presenciei nenhum acidente. Se eu mencionar aqui que a pobreza é grande, vocês podem imaginar que a criminalidade também seja elevada, mas não é. A minha insegurança lá foi o medo do trânsito e, por incrível que pareça, senti-me mais segura caminhando pelas ruas nepalesas do que aqui em Itajubá. Também, praticamente não há pessoas pedindo esmolas nas ruas. E o que dizer da hospitalidade? Só tenho a mencionar que são muito receptivos e atenciosos. Outro fato interessante é que torcem pelas seleções do Brasil e Argentina na Copa.
O antigo é maravilhoso. Em termos estruturais você pode imaginar que são ilhas de prédios antigos (muitos visitados por Buda) cercadas por construções modernas (relatadas no parágrafo anterior). Nessas “ilhas” o tráfego de veículos motorizados é proibido. Mentalmente (ou espiritualmente, se o leitor preferir) essas “ilhas de templos e deuses” ativam o nosso subconsciente a pensar na vida e na nossa existência, refletir por que estamos aqui e por que muitas vezes vivemos como se fôssemos simplesmente máquinas programadas para uma rotina exaustiva. Nas imagens seguintes, eu mostro algumas praças e templos. Os nepaleses também preservam sua arquitetura, pois possuem croquis dos templos e esculturas para reconstrução em caso de tragédias como a do terremoto de abril de 2015, que teve como epicentro uma localidade a 77 km ao noroeste de Kathmandu e a 15 km de profundidade (http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/04/forte-terremoto-atinge-o-nepal.html). Todos os lugares me sensibilizaram, porém um em especial: Pashupatinath Temple, pois foi o que mais me fez pensar que devemos trabalhar para termos uma boa vida e não viver só para trabalhar, pois nosso tempo é curto e a morte é certeira (fiz esse comentário, pois ele serve para mim mesma). Nesse local, os nepaleses cremam seus mortos à beira do rio e depositam as cinzas no rio. Você pode caminhar ao lado dos locais de cremação e até mesmo conversar com as pessoas. Como não vi ninguém chorando, fiz esse mesmo comentário a um colega e ele me respondeu: eles choram sim, mas em casa. Quando vêm para a cremação já estão preparados para a despedida. Há um tipo de madeira especial usada na cremação e os mortos são envoltos em tecidos parecidos com os de tapetes. O barulho e o cheiro da cremação é idêntico ao de churrasco.
Não quis me alongar na matéria. Se você estiver interessado em mais detalhes históricos dos locais que mencionei, recomendo esse blog https://www.felipeopequenoviajante.com/2022/05/pashupatinath-principal-templo-hindu-nepal.html.
Swayambhunath Monkey Temple – Kathmandu
Patan Durbar Square – Lalitpur
Por Michelle Reboita*
Fotos: Michelle Reboita
*Member of the Climate Studies Group – GrEC/USP: www.grec.iag.usp.br
*Member of the Interdisciplinary Climate Investigation Center: www.incline.iag.usp.br