Bem, fui assistindo ao mundo acontecer, como diz outra prima. Em uma das paradas, havia um bando de alegres ciganas conversando animadamente e rindo muito. Três ciganas coloridas entraram e o silêncio do ônibus foi quebrado com seus risos e suas falas ininteligíveis. Duas delas se acomodaram mais atrás e outra sentou-se ao meu lado, pedindo na maior transparência para se sentar à janela, ao que eu assenti sem problemas. O ônibus já arrancava para sair e as três ciganas despediam-se de outras que foram acompanhá-las naquela parada. Foi uma troca de gritos emocionados de despedida, tudo num dialeto português totalmente novo para mim: “Ó Chica, ó Chica, no esquece de fechá portão, sodade mo Deus.” Eu entendia uma coisa ou outra, mas confesso que pareciam falar uma língua estrangeira, própria delas. Eram de uma comovente sensibilidade porque também choravam e limpavam as lágrimas com as palmas das mãos mostrando os dedos cobertos por milhares de anéis.
À medida que o ônibus se afastava, foram se acalmando, mas de quando em quando a cigana ao meu lado gritava algo para as duas lá de trás e riam e falavam em sua língua. Até que percebi que minha companheira de banco passou a me examinar com atenção. Pensei comigo, ah meu Deus, ela vai querer ler minha mão! E eu não vou querer não. Instintivamente, numa vã tentativa de proteger minhas mãos ou meu destino cruzo os braços. Neste momento a cigana com sua saia superverde-limão puxa prosa comigo. Quer saber para onde eu vou, digo para ela que vou perto e volto hoje mesmo. Finalmente ela me pergunta naquele estranho dialeto português se não quero que leia minha mão. Sabia. Tenho medo, não quero saber do que me espera. O futuro a Deus pertence. Se eu soubesse das dores que já vivi, certamente pensaria que não seria possível viver. Tudo nos é permitido, mas nem tudo nos convém. Mas ela saberia, de fato, o que poderiam minhas mãos contar? Não sei. Mas não quero.
Faço que não com a cabeça o mais gentilmente que posso. A cigana se abre num sorriso mostrando todos seus dentes de ouro, como se abrisse uma caixa de joias e me diz: “tem medo não loura, você é bonita, só tem coisa boa no seu caminho.” Retribuo o sorriso feliz da vida, como geralmente a gente se sente quando ouve coisas boas. Mais para o final da viagem, ela me pede um dinheirinho para comprar qualquer coisinha para o netinho que está internado. Dou de bom grado. E seguro sua mão num gesto de carinho, só pela “loura bonita” valeu. As três alegres ciganas descem e ela me acena de longe. E eu sigo meu caminho, sem querer saber como será o amanhã. A cada dia basta o seu cuidado porque entre a manhã e a tarde se muda o tempo. Além disso, nunca temos garantias de nada. E por fim, como diz G. Rosa, “precisamos também do obscuro para viver.”