O não ensino da língua-padrão teria ou tem como objetivo evitar o constrangimento de alunos que falam e escrevem sem fazer a devida concordância de substantivos com artigos e adjetivos. Assim, alegam que, ao corrigir o aluno, o professorpode correr o risco de excluir os que falam “nós pega o peixe”. Esses “erros” talvez não possam ser mais assim denominados, pois, pelo visto, ao aluno não pode ser atribuído nenhum erro, nenhuma correção, nenhum trauma, portanto, nenhuma aprendizagem e nenhuma educação. Melhor que o aluno fique em casa porque na escola não terá o que fazer ou aprender, ou, melhor ainda, que fechem as escolas. É o final dos tempos, diria.
Os tempos modernos trouxeram novos paradigmas de educação. Certo. Certíssimo. Já nos ensinava o grande educador Paulo Freire que o professor deve corrigir, mas partindo do ponto de vista do educando para que a criança não perca sua espontaneidade e a confiança em sua própria capacidade de entender. Freire acreditava e devemos acreditar que a correção esteja sempre voltada para a reflexão sobre o erro, o que faz o aluno pensar, mudar e amadurecer. Entretanto, partir do ponto de vista do aluno não significa aceitar plenamente sua resposta, qualquer que seja, mas de criar situações novas para que o educando reorganize suas idéias. A visão construtivista veio substituir atitudes excessivamente disciplinadoras e punitivas que abalavam a auto-estima das crianças. Mas vamos e venhamos, determinar que não há certo nem errado no emprego da língua para que as crianças não se sintam excluídas já é demais. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem palmatória, nem permissividade. Ninguém vai precisar de psicanalista por aprender a falar “nós pegamos o peixe”. Ensinar a língua-padrão não exclui ninguém, pelo contrário, liberta o aluno para um novo universo, abre para ele novas perspectivas. Negar essa oportunidade à criança que mais precisa aprender é que constitui um preconceito desprezível.
Lembro-me (não sou tão velha assim) de quando cursei meus primeiros quatro anos de estudo. A escola era a única da pequena cidade e lá estudávamos na mesma classe, pobres, ricos, negros, brancos, crianças da roça e da cidade. Lá convivíamos sem preconceitos e exclusões.
Aprendemos a falar e a escrever corretamente. Recebemos informação e conhecimento. Fomos corrigidos, repreendidos e formados. Sobrevivemos
aos traumas emocionais supostamente causados pelas correções do professor. Agora, fechadas as portas do bom português para os alunos de hoje, não estou certa de que poderão sobreviver no mar tempestuoso da ignorância que já impera na educação brasileira. Pobre língua, pobres crianças, vai mal. Vai mal.