Há uns dias atrás fui a um velório. Observei com respeito a pessoa que havia partido. Tá bom, ele não estava mais ali, mas é assim que se faz, não é? Respeito com o corpo que o abrigou e que volta ao pó. Sua alma já alçou voo como um pássaro veloz e silenciou para sempre a sua voz. O corpo é só silêncio. A vida é realmente uma viagem muito curta e para nos proteger, por uma sábia intuição não nos damos conta disso. Não é bom pensar sempre na morte, mas é bom pedir a Deus que nos ensine a contar nossos dias. Não é bom ficar a todo tempo se lembrando da morte, por outro lado não é bom que nos esqueçamos dela. Já li em algum lugar que “O sol e a morte não devem ser encarados fixamente.”
O corpo sem vida é estranho. É tal qual uma casa onde viveu uma família por muitos anos com crianças ruidosas, cachorros latindo, quadros nas paredes, cozinha exalando aromas convidativos, campainhas tocando, músicas alegres. E então a família se muda. A casa permanece vazia. Quem lá morou pode voltar e se emocionar com o lugar onde viveu, mas certamente achará estranho que aquela vida toda tenha se passado ali. O silêncio é o que impera, a vida se foi.
Bem, por mais que vivamos muitos anos, se contamos em décadas, são poucas. O que são oitenta anos? apenas oito décadas. É muito tempo para um jovem que se sente eterno e pouco tempo para quem já viveu seis. Mas vamos vivendo, tocando o barco pra frente em direção ao mar. Alguma coisa nos move. Mesmo sabendo que vamos embora (olha só o eufemismo!), trabalhamos, olhamos a previsão do tempo, fazemos as contas do que temos que pagar, sondamos o saldo do banco, compramos a manteiga que está acabando e assamos o bolo no forno. Os pais continuam planejando ter filhos, sonhando com seus futuros incertos. Ou seja, vivemos como se fôssemos permanecer para sempre. É realmente um mistério.
A vida não deveria fazer sentido, mas faz. Às vezes penso que somos todos loucos por viver tão imprecisamente e não foi em vão que Shakespeare disse: “Como são loucos os mortais!” (Sonho de uma noite de verão). Sim, loucos em busca de uma tal felicidade que às vezes nos dá o ar da graça, e quase sempre se esgueira fugidia e já não a encontramos mais, a não ser em “raros momentos de distração.” (G.Rosa). De repente ela nos acena toda camuflada como o gato de Alice no país das maravilhas e nos sorri divertida ao nos ver perdidos em nossa perplexidade.
E continuamos trabalhando, olhando a previsão do tempo, fazendo as contas que temos que pagar, sondando o saldo do banco, comprando a manteiga que está faltando e assando o bolo no forno. E se a vida não tem sentido, temos que dar sentido a ela. É por isso que escrevo porque é preciso fazer algo mais do que simplesmente viver. É preciso espantar a morte que me espanta e me amedronta, é preciso me encantar com o mundo que me consome, me fascina e me encanta. Ainda que a morte ronde tudo e a todos, é preciso conservar a ternura intacta.
E por ora é preciso viver enquanto a vida é tão generosamente a nós concedida.