Bem, não é minha intenção aqui defender ou não a pena de morte, embora eu seja contra. Nem é minha intenção lembrar que milhares de brasileiros foram unânimes em enaltecer a Indonésia como exemplo de retidão em leis. Não é bem assim, quem já viveu lá tem histórias de horror para contar. O que temos que considerar é que cada país é soberano para estabelecer e fazer cumprir suas próprias leis, e ademais, já temos de sobra nossos próprios horrores. Nos comentários sobre o caso Archer, a grande maioria aposta que a pena de morte seria valiosíssima em nosso país, assim quem sabe o Brasil se veria livre de políticos corruptos e ladrões e demais ladrões e traficantes comuns. De fato, a fila de condenados seria interminável, uma vez que esses crimes ocorrem à luz do dia, na quase legalidade, em morros, planícies ou planaltos.
Também não pretendo criticar a presidente pelo pedido de clemência em favor do condenado feito ao presidente da Indonésia e até ao Papa Francisco. Cada um defende quem quiser e dá condolências a quem quiser. Realmente, tarefa difícil para ela seria estender as condolências às incontáveis famílias que perderam seus filhos e pais em balas perdidas, trabalhadores mortos por assaltantes e traficantes. Ela certamente devia saber que o próprio Marco Archer, em entrevista há alguns anos atrás a um jornalista brasileiro, confessara nunca ter trabalhado, era um traficante estabelecido, confesso e assumido desde os 17 anos e que optara por traficar na Indonésia porque no Brasil o preço estava baixo. Disse ele, até com certo orgulho, ao repórter Renan Antunes de Oliveira: “Sou traficante, traficante e traficante. Só traficante.”
Não, minha praia é a literatura, então minha intenção é falar sobre o talento e a sensibilidade do genial Victor Hugo ao escrever o romance “O último dia de um condenado”, obra admirável e que retrata com incrível lucidez o horror e a angústia sentidos por um condenado ao se aproximar sua última hora. Victor Hugo, em “Os Miseráveis”, já se pronunciara sobre a guilhotina como algo alucinante, uma visão que jamais seria esquecida pelos que a viram.
Mas em “O último dia de um condenado”, o horror da espera se faz presente. A princípio, antes da sentença, o protagonista se sente inclinado a considerar que as galés seriam o pior castigo, uma verdadeira morte em vida, mas quando se vê diante da visão horrenda da morte na guilhotina, ele repensa e reconhece que faria qualquer coisa para escapar da tragédia. No capítulo XXIX, diz: “O meu perdão! O meu perdão! Talvez me concedam o perdão. O rei não me quer mal. Procurem o meu advogado! Depressa o advogado! Prefiro muito mais as galés. Cinco anos de galés e que fique o caso arrumado – ou vinte anos – ou para sempre com o ferro em brasa. Mas concedam-me a vida. Um forçado anda ainda, vai e vem, vê o sol.” Aliás, o sol é citado várias vezes pelo protagonista, como simbólico da liberdade. Em uma fala ele diz: “Durante as poucas horas que passei na enfermaria, sentava-me ao pé de uma janela, ao sol”. Em outra: “Eu amo o sol”.
No corredor da morte estamos todos, sempre soubemos, mas o fato é que algo bem humano em nós afasta esta inevitabilidade. Porém, quando a morte tem data marcada, ela se torna real e palpável, e nos mostra sua horrenda cara. Aí o caso é diferente. Barganha-se qualquer coisa, tudo pela vida. Para quem está ameaçado de morte, a vida ainda continua sendo o bem mais precioso. Exatamente por essa razão a pena de morte sempre será uma barbárie, pois se mata legalmente, punindo com pena máxima que praticou o mesmo crime ou outros. Para os traficantes, quem sabe as galés.