A Bíblia tem uma passagem em que conta a história de uma pobre viúva que precisava que um caso de justiça fosse resolvido a seu favor. Como de nada adiantava ela passou a importunar o juiz pedindo que ele fizesse justiça. O juiz protelava, protelava até que percebeu que não se livraria daquela mulher que diariamente vinha pedir seu favor. Então ele disse a si mesmo: “Embora eu não tema a Deus e nem me importe com os homens, esta viúva está me aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça para que ela não venha mais me importunar”. Jesus queria que os discípulos e nós entendêssemos que se até um juiz iniquo atendeu à viúva, Deus também em sua bondade nos atende. Portanto, peçamos. Importunemos. Deus fará o que for melhor, mas nosso papel é pedir e importunar.
Agora vou lá para 5 de maio de 1970. Esta é a data que meu tio padre, Monge Cisterciense colocou no poema feito para mim. Sendo um poeta, ele me dedicou este poema: “A queixa da rosa”. Daí a alguns dias eu faria 17 anos. Sempre de cara fechada e com uma pedra no lugar do coração, me queixei com minha mãe que meu tio havia feito variados poemas para todos meus primos. De nossa família, só a Agueda tinha sido premiada com um poema quando nasceu. Nunca mais. Que eu saiba para mais ninguém de nós. Minha mãe suspirou desanimada com sua filha turrona e deu com a língua nos dentes. Se eu não tivesse me queixado, este poema maravilhoso não existiria. Eu e a viúva pedimos e importunamos. Não fiquei sem o poema que merecia por justiça. E como é lindo!
Infelizmente, só vim a valorizar esta obra-prima nesses últimos anos, depois que me descobri poeta e escritora. Naquela época minha mãe abriu o envelope que sempre chegava com carta do irmão e me entregou o poema cobrado. Eu mal li, nunca entenderia a beleza daquela metáfora. Eu era uma jovem complicada, para quem as sutilezas de uma escrita tão sensível nada significavam, ainda. Ele me comparava com uma rosa queixosa, carente de atenção e cuidados. Mal li, mal entendi, mas guardei. Infelizmente meu tio morreu e eu não me lembro de ter agradecido tão lindo poema. Fiz a resposta da Rosa no ano passado. Mas hoje quero apenas homenagear meu tio que está no Céu, transpondo o poema para cá.
A queixa da rosa
À Maria Luiza
Coluna indiana, vinha eu das Vésperas,
Quando sua presença me invade. Como não a vira antes?
Beleza encarnada para os olhos! Toda solitária no claustro,
Rubra como sangue, lá estava como a queixar-se:
Ó homem de Deus! Ao menos tu que vens do Céu,
Para e olha para mim! Porque o orvalho me banhou, o sol me enxugou,
A brisa me acariciou, senão para que ao menos tu, pares e olhes para mim?
Porque assim me vesti, toda me colori, toda me enfeitei e perfumei,
Senão para que, ao menos tu, ó homem que contemplas,
Não passe sem me olhar?
Encantado, quis parar, falar com ela. Mas, e a coluna? Seria um escândalo!
Dilacerado, prometendo voltar, olhando-a bem nos olhos, murmuro num sorriso:
Como és linda! Então, ela, a rosa, toda rubra, que só isso esperava,
Num dócil gesto de amor, deixa cair suas pétalas de sangue.
Itaporanga, 5-5-1970. Pe. Atanásio.
Quando me sinto carente de beleza, de sensibilidade, de amor, leio o poema e mal consigo acreditar que foi dedicado a mim, à Rosa queixosa! Ai de mim se não tivesse me queixado. Como Deus é bom! Com lágrimas nos olhos, valeu tio Quita! Que presente mais precioso! Como Deus é bom! Eu e viúva, felizes da vida!